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A exclusividade de contrato de representação – O STJ e as respostas do Poder Judiciário à crise econômica

20 de novembro de 2017

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economia brasileira continua em crise, não obstante as pesquisas demonstrem gradual melhora nos índices de emprego formal. Instalado o cenário de quebra das empresas e demissão dos trabalhadores, a saída não estará na simples atribuição de culpa, mas sim no engajamento das instituições em buscar soluções para a crise no fiel cumprimento de suas funções constitucionais.

No caso do Poder Judiciário, o cumprimento de suas funções constitucionais significa a aplicação da lei a fim de promover a segurança jurídica e a preservar a boa-fé em meio a um quadro onde a queda no faturamento pode ensejar quebra contratual e concorrência desleal. Os atores econômicos apenas investirão recurso, produzirão riqueza e circularão renda se dispuserem dos corretos incentivos – do qual os mais relevantes são a proteção do direito à propriedade e da vinculação dos contratos.

A confiança dos agentes privados poderá ser conquistada das mais diversas formas. A primeira é a garantia de continuidade formal da sistema jurídico. A confiabilidade no ordenamento legal e a previsibilidade das intervenções estatais reafirmam a expectativa de que o ambiente econômico não sofrerá mudanças arbitrárias. Em segundo lugar, pode a confiança ser angariada por meio da continuidade material do sistema jurídico. Deverá a ordem constitucional preservar as garantias inerentes ao exercício da propriedade e de outros direitos fundamentais. Terceiro, com a fidelidade ao sistema e à justiça, que fomentarão a confiança entre os indivíduos a partir da garantia da igualdade. Por fim, a ordem jurídica deve zelar pela proteção da disposição concreta e do investimento, como o elemento subjetivo do princípio da segurança jurídica.

A recuperação econômica apenas será possível caso os órgãos responsáveis por aplicar a lei zelem pela proteção dos “direitos decorrentes das expectativas de confiança legítima na criação ou aplicação das normas regulatórias, mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento ou efetividade dos direitos e liberdades fundamentais”.

A Constituição Federal de 1988 prevê, no inciso XXXVI de seu artigo 5o, a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. As regras fundamentais da segurança jurídica são, entretanto, insuficientes para garantir per se o grau de certeza que é indispensável ao amplo desenvolvimento da ordem econômica. Assim, competiu ao legislador ordinário concretizar estes princípios na legislação infraconstitucional.

O artigo 5o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve ao juiz que, na aplicação da lei, leve em consideração os fins sociais da legislação e as exigências do bem comum. O Código Civil, em idêntico sentido, determina no artigo 113 que os negócios jurídicos sejam interpretados conforme a boa-fé e, no artigo 422, que as partes observem a boa-fé tanto na conclusão quanto na execução do contrato. Ainda, conforme os artigos 5o e 489, parágrafo terceiro, do novo Código de Processo Civil, a boa-fé deve balizar o comportamento de todos os sujeitos que participem do processo judicial e que interpretem a decisão judicial.

Sendo a boa-fé critério hermenêutico e bem jurídico presente na legislação ordinária, o Superior Tribunal de Justiça desempenha importante papel em sua realização, possuindo assim um importante papel na recuperação econômica do país ao promover a segurança jurídica e a confiança recíproca entre os atores econômicos.

Importante contribuição à preservação da boa-fé nos contratos e da confiança no sistema jurídica foi dada por sua Terceira Turma quando do julgamento do Recurso Especial no 1.634.077/SC, tanto da perspectiva do autor quanto do réu. A decisão versou sobre a instituição de zona exclusividade em contrato de representação comercial, sem cláusula expressa no instrumento firmado e sobre a prescrição das comissões não reclamadas.

Disciplinada pela Lei no 4.886/65, a representação comercial é um negócio jurídico com natureza de colaboração empresarial por aproximação, orientada a auxiliar a circulação e distribuição de produtos e serviços nos mercados consumidores. Ainda que o artigo 27 da Lei disponha serem obrigatórias no contrato cláusulas de indicação da zona em que será exercida a representação e de exclusividade da representação, não é necessária a utilização de forma específica para a celebração do contrato de representação e não há previsão de consequência jurídica para a omissão dessas cláusulas ditas obrigatórias.

O contrato de representação objeto do Recurso Especial omitia-se sobre a exclusividade da representação comercial. Para a Recorrida, que ajuizou a ação de rescisão contratual, cumulada com indenização pelos danos morais e materiais, a Recorrente teria praticado concorrência desleal ao desrespeitar a exclusividade da Recorrida em atuar no Estado do Rio de Janeiro. Para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em que pese a inexistência da cláusula a determinar a exclusividade, a instrução probatória teria comprovado que a Recorrente desrespeitou o acordo, pelo que deveria indenizar a Recorrida nas comissões recebidas pelas vendas realizadas na zona de exclusividade durante a contratualidade – a saber, de 26 de julho de 1991 até 21 de outubro de 2010.

Marcus Vinícius Furtado Coêlho – Membro do Conselho Editorial e Membro Honorário Vitalício Nacional da OAB

De acordo com o Recurso Especial, interposto com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, o acórdão estadual teria infringido os artigos 128, 460, 462 e 515 do Código de Processo Civil de 1973 ao extrapolar os limites permitidos em lei e ao decidir fora dos pedidos formulados pela Recorrida. Para a Recorrente, o valor da indenização foi arbitrado além do pleiteado, uma vez que o contrato fora rescindido em dezembro de 1997 e que o pedido limitava-se aos valores devidos até o ajuizamento da ação. Também restariam afrontados o artigo 31 da Lei nº 4.886/65, ao argumento de que a Recorrida não teria comprovado exclusividade da representação, e os artigos 7o, XIII, e 87 da Lei no 9.610, por não ser a Recorrida a proprietária do banco de dados usado na captação de clientes.

Em voto acompanhado pela unanimidade dos integrantes da Terceira Turma, a Ministra Nancy Andrighi dava parcial provimento ao Recurso Especial para reconhecer o caráter ex tunc da resolução contratual, retroagindo a extinção do contrato a 11 de dezembro de 1997, e para declarar a prescrição das comissões pagas a menor em até cinco anos antes do ajuizamento da ação rescisória.

Em seu voto, amplamente fundamentado em doutrina autorizada e jurisprudência do Tribunal, a Relatora manifestou-se pela presunção de exclusividade, consoante artigo 31 da Lei no 4.886, quando esta condição for prevista expressamente no contrato escrito e houver omissão no instrumento firmado entre o representante e o representado, em atenção ao propósito da legislação em estabelecer mecanismos protetivos em favor do representante – no caso dos autos, a Recorrida. A presunção de exclusividade deve ser afastada somente no contrato verbal de representação comercial, embora a moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça flexibilize tal entendimento para admitir a produção de prova de exclusividade até mesmo em contrato verbal.

Segundo a Ministra, houve instrução probatória suficiente a comprovar a exclusividade da representação da Recorrida no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, em homenagem à boa-fé negocial diante da rigidez das formas contratuais, manteve-se a indenização pelas comissões indevidamente recebidas, com fundamento na alínea “j” do artigo 27 da Lei no 4.886.

Em segundo lugar, o voto discorreu acerca da data da rescisão contatual promovida por decisão judicial. A Lei no 4.886 não prevê forma especial para a extinção do contrato de representação comercial, apenas regulamentando nos artigos 34 a 36, a diferença de denúncia sem justa causa e para a com justa causa. Dentre as classificações de hipóteses de extinção do contrato, o contrato de representação comercial entre as partes teria sido objeto de resolução devido a inexecução, que tem o condão de extinguir o contrato com efeito ex tunc. No caso dos autos, portanto, a resolução deveria retroagir à data quando o inadimplemento contratual ocorrera, não à data de prolação da sentença.

Em terceiro lugar, o voto cuida da prescrição do direito e da pretensão de receber verbas rescisórias – ambos surgem da resolução injustificada do contrato, que ocorrera em 11 de dezembro de 1997. Considerando que a ação foi ajuizada em 16 de agosto de 2011, a prescrição quinquenal estabelecida no artigo 31 da Lei de Representação Comercial não fulminou a pretensão da Recorrida em ser indenizada.

Porém, é outro o termo inicial da prescrição da pretensão em cobrar as comissões pagas a menor, nos termos do artigo 32 da Lei no 4.886: “o representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas” e “o pagamento das comissões deverá ser efetuado até o dia 15 do mês subsequente ao da liquidação da fatura, acompanhada das respectivas faturas”. Cuida-se, portanto, de prestações de trato sucessivo, surgindo ao representante o direito de ser reparado a cada mês em que houve comissões pagas a menor e vendas feitas por outrem em sua área de exclusividade. Com o ajuizamento da ação no mês de agosto de 2011, a prescrição quinquenal incide sobre os valores anteriores a agosto de 1996, devendo a recorrida ser reparada pelas comissões que deixou de receber ou recebeu a menor entre agosto de 1996 e dezembro de 1997.

O precedente do Superior Tribunal de Justiça faz-se importante sob duas perspectivas. Primeiro, sob a ótica do agente econômico a ser indenizado, ao privilegiar a boa-fé que guiou a celebração e execução do contrato de representação comercial. Não reconhecer o acerto de zona de exclusividade em razão de formalidades contratuais desestimularia a conduta ética e incen­tivaria a concorrência desleal. Em segundo lugar, do viés do agente a indenizar, o reconhecimento da prescrição demonstra que o ordenamento jurídico não tolera indefinição no exercício do direito. A prescrição é instituto que estabiliza a ordem social para impedir abusos de direito e arbitrariedades.

Na infeliz dinâmica da crise, que influencia diretamente o comportamento da sociedade, os agentes econômicos buscarão a salvaguarda dos direitos especialmente na prestação jurisdicional. Como intérprete da legislação infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça saberá resolver as demandas que lhe forem submetidas sem parcialidades, como atesta a decisão unânime da Terceira Turma no Recurso Especial nº 1.634.077/SC, sem relativizar os direitos e as garantias de todas as partes envolvidas, ocupando-se somente da promoção da segurança jurídica e da proteção da boa-fé.