Ecologia e história urbana da jaqueira no Campo de Santana, no Rio de Janeiro

23 de junho de 2013

Compartilhe:

Ao principiar o século XVII o Campo de Santana já era um dos espaços livres mais tradicionais do Rio de Janeiro. Era um imenso descampado, originalmente pantanoso, e que se encontrava aterrado, porque a população o usava para depositar seu lixo, entulho e esgoto. Se no início daquele século a imensa área recebeu o nome de Campo de São Domingos por causa de um templo construído pelos frades dominicanos, em 1753, seus limites mais reduzidos comportavam ainda assim as primeiras chácaras, nas quais se construiu uma igreja dedicada a Nossa Senhora de Santana, e desde então, passou a ser assim denominada.

A mudança do nome, em 1817, para Praça dos Curros por abrigar uma arquibancada para touradas, não impediu continuar a ser chamado de Campo de Santana. Nem mesmo depois de receber lavadeiras em suas 22 bicas nos anos 1810, e, por isso, ser chamado de Campo das Lavadeiras, ou Campo da Honra, em 1822, por causa da conclamação de Dom Pedro I a que a população se insurgisse contra o seu embarque a força para Portugal, e em seguida Campo da Aclamação, por ter sido ali aclamado Imperador do Brasil.

Voltou a ser chamado oficialmente Campo da Honra, a despeito de ter sido redenominado Campo da Redenção durante a Regência, e por alguns outros de Campo da Liberdade. Uma estação ferroviária foi construída em 1858, no local da igreja que emprestou o seu nome mais conhecido. A proclamação da República conduziu-o a uma nova classificação, a de praça, ficando, assim, a denominar-se oficialmente de Praça da República.

Desde a proclamação da República, outros tantos nomes foram dados, inclusive o de retomar a vetusta e comezinha designação de Campo de Santana, sua forma mais popular e mais conhecida.

O serviço de aterro dos pântanos marcou-lhe a essência como conceito e denominação, pois foi acompanhado do plantio de algumas árvores, realizado por vinte sentenciados militares presos na Fortaleza de Santa Cruz.

Se o plantio de árvores não obedeceu a critérios muito rígidos até então, em 1870 o naturalista francês Auguste François Marie Glaziou e o estudioso de jardinagem José Francisco Fialho apresentaram à municipalidade um plano de ajardinamento do campo. Em 3 de julho de 1871, a Câmara Municipal aprovou o projeto, mas Glaziou assumiu sozinho a responsabilidade pelo empreendimento.

O parque passou a ser protegido por grades de ferro e cruzado por caminhos variados, acompanhados por árvores, arbustos e vegetação exótica. Alguns lagos foram formados e um rochedo posicionado em seu interior para abrigar uma pequena cachoeira.

A abertura da Avenida Presidente Vargas marcou definitivamente o traçado urbano do Rio de Janeiro, tanto por não ter poupado a histórica e única igreja de forma côncava no país, como por ter reduzido de 142.421m2 para meros 18.216m2 área total do parque.

De local sublime à história do país, serviu lamentavelmente aos militares golpistas de 1964, que não contentes com o mar de trevas que submeteram o país, julgaram ainda necessário entrincheirar tropas e emboscar estudantes da Faculdade Nacional de Direito que lá permaneceram, heroicamente, em resistência à ditadura implantada.

Esse refúgio verde na área urbana do Rio de Janeiro, palco das mais efervecentes manifestações do povo para independência, proclamação da República e de resistência à bota militar na sanha ditatorial, assinala, igualmente, outros elementos da dignidade do povo brasileiro: são eles a exemplar existência de árvores centenárias como, por exemplo, figueiras e baobás, e, também, a proteção de diversas espécies animais, que vivem em total liberdade, como cutias, galinhas d’angola, gatos e patos-do-mato.

O parque é marcado por elementos paisagísticos, arbóricos e embelezadores da cidade, uma combinação, sem paralelos, de acontecimentos históricos e patrióticos mencionados e ocorridos no mais característico oásis arbórico do Rio de Janeiro que imprimiria um significado verdadeiramente nacional se não contrastasse com o plantio de várias plantas exóticas, ou seja, proveniente de flora diversa da nossa, como são, designadamente, figueiras, mangueiras e jaqueiras.

Em seu conjunto, os intentos de Glaziou em cumprir o contrato de embelezar o Rio de Janeiro com a figueira microcarpa trazida da Ásia, mais especificamente da Índia, muito além de dar o toque maravilhoso à cidade, provocou a disseminação de uma espécie arbórica, ou seja, uma árvore que se tornou uma verdadeira praga, que, para muitos, necessita ser dominada, a fim de que as espécies locais possam retomar seu lugar. A figueira religiosa cultivada ao longo das vias públicas do Rio de Janeiro, também trazida da Índia, sob a sombra da qual Buda atingiu o Nirvana, é outro bom exemplo que também não poderia ser esquecido.

Apesar da contínua disseminação de várias espécies vegetais não nativas, uma em especial adquiriu grande difusão e se tornou de tal maneira conhecida no país que faz parte dos sistemas biológicos instalados ao seu redor, assim como da cultura popular: a jaqueira.

Talvez não haja fruto mais apreciado ou que produza melhor doce ou geleia que o da jaqueira. Bagos ou frutículos de cor amarelada, de sabor doce que muito lembram uma mistura de manga com laranja, ou talvez maçã com abacaxi, de cheiro forte e perfeitamente perceptível a certa distância, e envoltos por uma camada grudenta, que formam o seu fruto sincarpado, de grande volume ou mais propriamente o sincarpo, assim entendida a infrutescência de forma oval produzida pela junção dos frutos formados pelo desenvolvimento do ovário de flores vizinhas. Em cada sincarpo encontram-se frutículos ou bagos em número que pode ultrapassar a uma centena.

A jaqueira é uma árvore morácea de grande porte, de folhas coriáceas e flores pequenas, que se acredita ser mais propriamente originária da Índia e de Bangladesh, país que a elegeu como sua fruta nacional. Conhecida pelos portugueses desde quando chegaram a Calicute, em 1498, e que divulgaram a palavra jaca, partir do tamil chakka, e da qual os outros povos ocidentais encontraram a fonte para dar-lhe um nome. Daí jackfruit, jack ou jak em inglês, giaca em italiano, jacque em francês, yaca em castelhano, dentre outras.

De suas sementes extraem-se castanhas, remédios e alimento para os animais. De seu caule, madeira boa poderá ser extraída, e dela até instrumentos musicais são produzidos a partir de sua maciez. E, por ser muito apreciada em todo o mundo pelo fruto e pela madeira de boa carpintaria, ela foi disseminada por todos os continentes, com exceção do antártico, de forma que, por exemplo, além do Brasil, também é encontrada no continente americano, nomeadamente nas Antilhas. A jaqueira é, sem dúvida, uma das mais proveitosas espécies vegetais. Seu cultivo é estimado por alguns estudiosos desde 3.000 a 6.000 anos.

Ao passo que espécies nacionais dependessem de muita água da Mata Atlântica, a jaqueira, diferentemente, não necessita de forte hidratação, embora não admita sombra de outra árvore para se desenvolver. E foi ideal para reflorestar a Floresta da Tijuca pelo Major Archer, a partir de mudas trazidas de sua fazenda no interior do Estado do Rio de Janeiro, porque não havia água no local e nenhuma outra espécie se desenvolvia. Foi a primeira que conseguiu desenvolver-se nos limites do Parque Nacional da Tijuca.

Se um princípio geral de expansão das jaqueiras tem provocado necessidade de controle, e, consequentemente, a morte de muitas árvores por autoridades públicas, especialmente na Floresta da Tijuca, no Campo de Santana o aspecto paisagístico triunfou. As árvores são protegidas e observadas, e já interagem com espécies animais do Campo de Santana, que se alimentam de seus frutos.

A capacidade da jaqueira de disputar e vencer as espécies nativas, somadas à sua ampla ambientação no país deu origem a uma atenção das autoridades nacionais quanto à sobrevivência das espécies nativas, especialmente por causa do bloqueio de luz do sol, e pela dificuldade de suas folhas se decomporem, e, com isso, impedirem a germinação de outras árvores.

Espécie exótica e também espécie invasora, a jaqueira foi alvo de uma guerra que provocou não somente um ataque à sua proliferação, como, também, o abate, o arranque de mudas e o anelamento, ou seja, a morte pelo impedimento da circulação da seiva. E se na Floresta da Tijuca a política tem sido contrária à jaqueira, no Campo de Santana as árvores são protegidas, sem que se intervenha em favor daquelas que são prejudicadas, especialmente as espécies locais.

A Floresta da Tijuca é marcada pelo retorno à biodiversidade e por um ataque secundário à superpopulação de quatis e micos-estrela, que por abundância de frutos da jaqueira multiplicaram-se de maneira desequilibrada. Essas são orientações estranhas ao Campo de Santana, que submetido a um perfil estético-paisagístico, não tem por vocação resgatar espécies nativas ou preservá-las no concurso com as jaqueiras, e não considera necessário manter vivo e limitado um grupo de animais típicos locais. Seja porque não toma a ecossistematologia como condição para permanência do parque, seja porque não se planeja qualquer iniciativa de se igualar à Floresta da Tijuca segue o Campo de Santana em sua história de integração com o desenvolvimento e expansão urbana do Rio de Janeiro.

De curta dimensão territorial, o Campo de Santana é marcado por uma vocação estético-paisagística, e pautada por uma desnecessidade de torná-lo funcional na preservação de algumas espécies de árvores, como, aliás, ocorre ao longo das vias de acesso do município, que com amendoeiras e figueiras, a despeito de não atenderem aos requisitos de retorno às espécies locais, capturam o espaço público arborizável no Rio de Janeiro.

Os rumos dados, atualmente, pela Administração Pública às jaqueiras no Parque Nacional da Tijuca e, possivelmente, no restante do território do Município do Rio de Janeiro pode incluir a sua eliminação e controle, a fim de resgatar as espécies nativas e protegê-las. À medida que se aprofundam as técnicas e os recursos para a destruição das árvores nas áreas já delimitadas, submetem-se as jaqueiras do Campo de Santana a uma outra política, de cunho estético e paisagístico, na qual essa frondosa árvore é parte integrante e harmoniosa do mosaico de espécies vegetais lá encontradas.

A experiência mostra que no Campo de Santana os frutos da jaqueira integram o conjunto de medidas relacionadas à alimentação de alguns animais, e a colheita de seus frutos obedece a rígidos critérios delineados na política de convivência com os seres humanos.

As medidas de desenvolvimento que surgem a olhos vistos no Rio de Janeiro parecem não incluir o Campo de Santana, que se apresenta como algo aparentemente pronto e feito. Sua característica mais completa continua a ser de área destinada à estética, ao paisagismo e ao lazer. A questão do controle arbórico parece não encontrar ali nenhum significado fora dos ideais urbanos (estético-paisagístico e de lazer), justamente porque, sua natureza de parque urbano, destinado preponderantemente ao ser humano e a sua qualidade de vida, e não ao tipo ambiental por excelência reflete os seus vínculos com a história e a essência do Centro da capital do Estado do Rio de Janeiro.

Cumpre assinalar que as forças transformadoras e urbanísticas do Rio de Janeiro ainda não encontraram motivação para retomar no parque alguns conceitos sobre o uso do subsolo como estacionamento ou área para trilhos de metrô, exatamente como ocorreu no passado. Esses exemplos superficiais podem não ter hoje nenhum significado para o desenvolvimento do município. Talvez se nós nos omitirmos das lembranças dessa área tão importante da capital do estado poderemos preservá-la de sua própria redescoberta ou de sua destruição!

Referências bibliográficas  _____________________________________________________

ACKERMANN, Marcio. A cidade e o código florestal. São Paulo: Plêiade, 2010.
AGRELLI, Vanusa Murta. SILVA, Bruno Campos. Direito urbanístico e ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.
BANDEIRA, Carlos Manes. Parque Nacional da Tijuca. São Paulo: Makron, 1994.
BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e meio ambiente. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
BERNARDO, Chustianne. Unidades de conservação. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2007.
CORREA, Marcos Sá. MARTINELLI, Gustavo. Parque Nacional da Tijuca. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2001.
COUTINHO, Ronaldo. ROCCO, Rogério. O direito ambiental das cidades. 2ª ed. Rio de Janeiro. Lúmen júris, 2009.
CRUZ, G.L. Dicionário das plantas úteis do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
FONSECA, Eurico Teixeira da. Dicionário de plantas brasileiras. Edição do autor, 1922.
GOMES, Etiene Renata da Silva. Espécies exóticas invasoras em unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro – Estudo de população de jaqueiras (Artocarpus heterophyllus) no Parque Natural Municipal do Mendanha. Dissertação de mestrado apresentada perante o Instituto de Florestas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, Seropédica, 2007.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
MARTINEZ, Paulo Henrique. História ambiental no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006.
MELO, Melissa Ely. Restauração ambiental do dever jurídico às técnicas reparatórias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
MORAN, Emilio F. OSTROM, Elinor. Ecossistemas florestais. São Paulo: Edusp, 2009.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao direito ecológico e ao direito urbanístico. Rio de Janeiro. Forense, 1977.
PERLIN, John. História das florestas. Trad. Marija Mendes Bezerra. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
SOUTO MAIOR, Amando. História do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.