Edição

A distinção entre interesse público e privado nas contribuições no interesse das categorias econômicas

31 de maio de 2008

Compartilhe:

Examinarei a questão pelo prisma exclusivo da Constituição Federal, segundo a interpretação que tenho emprestado às contribuições especiais cobradas no interesse das categorias no curso dos últimos anos.
Quando, a convite dos constituintes, em audiência pública perante a Sub-Comissão dos tributos, defendi, em 1987, a necessidade de tornar explícita, no texto supremo, a existência de cinco espécies tributárias (impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições especiais) – tese de resto também exposta por Gilberto de Ulhôa Canto no dia em que foi ouvido pelos constituintes –, meu intuito foi, com isso, afastar a polêmica que se instalara sobre a natureza jurídica das exações exigidas na vigência da Constituição de 67 e da Emenda no 1/69.
O texto final consagrou, na sessão I, os três grandes princípios gerais, a saber:
o princípio das cinco espécies tributárias (arts. 145, 148 e 149);
o princípio da lei complementar (art. 146);
o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1o).
No que concerne às contribuições especiais, o constituinte, atribuindo-lhes natureza tributária, consagrou três modalidades, como já ocorrera no Direito pretérito, a saber:
sociais;
intervenção no domínio econômico;
no interesse das categorias.
Quanto à primeira delas, os arts. 193 a 231 abrem um leque maior para hospedar imposições, objetivando atender os diversos aspectos do interesse social prestigiados na Lei Suprema, cujo perfil foi esculpido à luz de um Estado do Bem-Estar Social.
No concernente às contribuições de intervenção no domínio econômico, tenho entendido que apenas serão de exação possível em graves desequilíbrios da ordem econômica.
É que a contribuição de intervenção no domínio econômico é instrumento de planejamento, sendo o planejamento econômico, para o setor privado, apenas facultativo, nos termos do art. 174 da Lei Maior. Se, ao cuidar da ordem econômica, a Constituição consagra os princípios da livre iniciativa e livre concorrência como seus princípios maiores, hospedando, pois, os princípios da economia de mercado como sua opção de desenvolvimento à evidência, a intervenção mediante cobrança dessa contribuição só se legitima para regularizar setores descompassados da economia.
Já no que se refere à terceira modalidade prevista no sistema constitucional tributário, ou seja, a contribuição no interesse das categorias, tenho para mim que se trata de uma contribuição especial, vinculada à autonomia sindical. Por estar preordenada a esse objetivo, não me parece que possa o Governo deslegitimá-la, tornando-a instrumento de política tributária ou de arrecadação fora de seus objetivos.
Com efeito, reza o artigo 149, caput, que:
“Art. 149 – Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6o, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
Como se percebe, as contribuições no interesse das categorias sobre terem natureza tributária foram concebidas como instrumento de atuação das categorias profissionais ou econômicas em suas respectivas áreas.
A expressão “como instrumento de sua atuação” não diz respeito à atuação do governo nas referidas áreas, mas sim das próprias categorias profissionais ou econômicas nos campos que lhes concernem. Se assim não fosse – ou seja, se tivessem sido concebidas como instrumento de atuação do governo e não das categorias –, através delas o poder público poderia eliminar ou reduzir a atuação das diversas categorias, maculando a autonomia sindical e violentando os incisos II e IV do art. 170, que impõem o respeito à propriedade privada e à livre concorrência.
A única leitura plausível é, pois, de que se trata de instrumento de fortalecimento das categorias profissionais ou econômicas para que atuem nas áreas que lhes são próprias, em defesa dos interesses legítimos de seus participantes.
Enquanto todos os tributos objetivam o interesse público, como conseqüência de política desenvolvimentista, social ou fiscal, as contribuições no interesse das categorias é desenhada – como o próprio nome está dizendo – “no interesse da categoria”. Difere, portanto, na sua finalidade, de todos os demais tributos.
E tal inteligência parece-me restar fundamentada e fortalecida pelas normas do caput e do inciso IV, do art. 8o, que declaram:
“Art. 8o – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
[…]
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.”
Da leitura de ambos os dispositivos, verifica-se, de um lado, o propósito de assegurar a liberdade associativa sindical com recursos advindos do sistema tributário e, de outro, permitir o recebimento de contribuições confederativas da representação de seus filiados.
Tenho me manifestado, de resto, com base na orientação jurisprudencial, hoje consagrada, que a primeira das contribuições enunciadas – ou seja, a que é fixada pela assembléia da categoria – obriga apenas os que, no exercício da opção da livre associação, participem de suas entidades representativas. À nitidez, prestigiou o constituinte a liberdade de associação: aquele que optar por não se sindicalizar, claramente não está obrigado a contribuir, até porque, se estivesse, inexistiria a liberdade preconizada no caput do enunciado legislativo. A norma do inciso IV estaria a fulminar a garantia prevista na cabeça do artigo.
No que concerne, entretanto, à outra contribuição, que é cobrada com base em previsão legal – como implícito está na expressão “independente da contribuição prevista em lei” – tem natureza tributária, é obrigatória e não comporta desonerações.
É tributária porque sua previsão encontra-se no já citado artigo 149, ou seja, entre os princípios gerais (o das espécies tributárias) do sistema tributário brasileiro.
É obrigatória porque é dela – mais do que da contribuição confederativa – que os sindicatos dependem para atuação nas suas respectivas áreas. Por essa razão, houve por bem o constituinte declarar que a contribuição confederativa deve ser cobrada “independente daquela prevista em lei”, ou seja, daquela que, por ser obrigatória para a preservação de autonomia sindical, não permite que a liberdade de associação possa impedir a manutenção das entidades representativas das categorias profissionais e econômicas, pois elas são necessárias ao regime democrático.
Por fim, não admite desonerações, pois, se o fizesse, a União poderia inviabilizar a existência de sindicatos se, na hipótese máxima, desonerasse da própria contribuição ou reduzisse a imposição tributária à sua mínima expressão.
Das cinco espécies – de rigor, sete – é, portanto, a única que não comporta desonerações.
Os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria – imposições clássicas –, assim como as contribuições sociais e contribuições de intervenção no domínio econômico são todos instrumentos impositivos que o Estado pode utilizar para, formulando políticas tributárias, implementar políticas públicas afinadas com a linha filosófica ou ideológica dos detentores do poder da ocasião, desde que subordinadas aos quadrantes da Constituição.
São instrumentos de política de distribuição de renda, de um lado, ou de políticas públicas, de outro, para atender os objetivos máximos desejados pela sociedade, através de seus representantes.
São, pois, instrumentos necessários à implantação de políticas públicas, comportando, após as ponderações propiciadas pela discussão democrática, desonerar o contribuinte de sua exigência, desde que nos termos do § 6o do art. 150, assim redigido:
“§ 6o – Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2o, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional no 3, de 1993).”
Onerar ou desonerar relativamente a essas exações é matéria de interesse público, de política de arrecadação, de política tributária com vistas à realização da Justiça Fiscal e ao desenvolvimento econômico.
Já as contribuições no interesse das categorias são instrumentos de política das categorias profissionais ou econômicas, e não dos governos, tendo sido previstas pelo constituinte exclusivamente para atender às necessidades e à liberdade de atuação nas áreas respectivas de cada categoria. Não são instrumentos de políticas públicas, mas de políticas próprias das categorias econômicas ou profissionais, que definem suas linhas nos quadros de sua conformação e atuação.
Não comportam, portanto, desonerações, visto que não pode o Poder Público manejar instrumento capaz de sufocar ou reduzir a autonomia sindical, como é o caso da eliminação de receitas necessárias à sua existência. Ao contrário, das duas outras exações previstas (contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico), que comportam desonerações por força de políticas públicas, as contribuições no interesse das categorias não as comportam, pois não são destinadas a políticas públicas. Sua destinação específica é exclusivamente para o interesse das categorias econômicas ou profissionais.
Leia-se, inclusive, o texto do art. 179 da CF, que prescreve a adoção de políticas públicas para as empresas de pequeno porte, cuja redação é a seguinte:
“Art. 179 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”
Em nenhum momento fez menção o constituinte às contribuições de interesse das categorias, mas exclusivamente às contribuições sociais de natureza previdenciária. Nem mesmo alude às contribuições de intervenção no domínio econômico – estas apenas exigíveis para recompor setores descompassados da economia – como instrumentos de planejamento econômico regulatório, embora também possam ser vistas como instrumento de política pública.
O mesmo se diga da letra “d” do inciso III do artigo 146 da CF, cuja redação repito:
“Art. 146 – Cabe à lei complementar:
[…]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
[…]
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional no 42, de 19/12/2003)”.
Cuida o dispositivo apenas das contribuições previdenciárias e do PIS.
Parece-me, pois, dentro de um sistema tributário coerente, que as contribuições no interesse das categorias não comportam desonerações a título de implementação de políticas públicas, o que é, de rigor, inadmissível para contribuições deste jaez. A sua desoneração a pretexto de realização de políticas públicas prejudicaria a contribuição sindical, a atuação das entidades representativas, podendo fulminar a intenção do legislador maior de preservar a autonomia sindical, razão pela qual, para as empresas de pequeno porte, sequer o constituinte colocou-as entre as imposições capazes de sofrer o processo redutor ou supressor.
Em outras palavras, apesar de o constituinte falar em “tributos e contribuições” e o Supremo Tribunal Federal dar natureza tributária às contribuições especiais, o art. 179, dedicado às empresas de pequeno porte, apenas considerou passível de desoneração, entre todas as contribuições, aquelas de natureza previdenciária. Sobre mais nenhuma pode haver desonerações ou reduções impositivas.
À luz destes argumentos, não me deterei em outros, tais como de ilegalidades instrumentais, inconstitucionalidades formais ou violências materiais à lei suprema por parte da Lei no 9.317/96, da LC no 123/06 ou da IN-SRF no 9/99. A meu ver, a legislação infraconstitucional não poderia desonerar as empresas de pequeno porte, à luz de políticas públicas, objetivando favorecê-las do recolhimento da contribuição sindical, conduta nem sequer permitida pelo art. 179 da Lei Suprema, que apenas admitiu tratamento preferencial para as contribuições sociais previdenciárias.
No que diz respeito a desonerações de contribuição sindical, tais instrumentos legislativos infraconstitucionais são de manifesta violência à Lei Maior – sobre ser a IN 9/99 também ilegal –, por hospedar hipóteses desonerativas não previstas na lei, como procurei demonstrar no presente estudo.