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Direito autoral nos meios de hospedagem

5 de agosto de 2005

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ECAD

A Constituição Federal confere tutela específica à propriedade intelectual dispondo que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras” (artigo 5º, inciso XXVII).

Já o inciso XXVIII do mesmo artigo assegura “nos termos da lei”, “proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” (alínea “a”), e “o direito à fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou participarem aos criadores, aos interpretes e às respectivas representações sindicais e associativas” (alínea “b”).

Os direitos autorais foram inicialmente protegidos por dispositivos do Código Civil e de legislação esparsa. Com o advento da Lei nº 5.988/1973, foi estabelecido um mecanismo centralizado para arrecadação e criados o Conselho Nacional de Direito Autoral – CNDA, órgão estatal e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD, sociedade civil de natureza privada, para garantir a efetiva proteção dos direitos do autor.

Ao CNDA, organizado pelo Decreto nº 76.275/1975, incumbia, dentre outras atribuições, normatizar o setor e fiscalizar as associações de titulares dos direitos autorais, estabelecendo regras de cobrança e fixando normas de unificação de preços (artigos 116 e 117 da Lei Autoral de 1973).

A seu turno, o ECAD, sociedade civil formada por associações de autores, tem por finalidade atuar na administração, defesa, arrecadação e distribuição dos direitos autorais decorrentes da utilização pública de obras musicais e fonogramas (artigo 115).

A obra artística é um patrimônio do seu criador, portanto este deve estipular-lhe o preço. O autor da obra musical, no ato de sua filiação a uma associação de titulares de direitos de autor, torna-a sua mandatária para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus interesses, inclusive para cobrança de proventos pecuniários decorrentes da utilização pública de sua obra por terceiros (artigo 104).

Assim, da análise da Lei nº 5.988/73 (artigo 117, IV) fica claro que o direito de fixar unilateralmente os preços de utilização de obras musicais e fonogramas foi reservado ao CNDA; o ECAD ficou com a função de arrecadar os direitos autorais de forma centralizada (artigo 115).

No exercício da delegação legal de fixar normas para unificar os preços dos direitos autorais a serem cobrados dos usuários de músicas, o CNDA editou a Resolução nº 21, de 21.12.1980, a qual especificou que cabe ao ECAD autorizar a utilização de obras intelectuais, tanto em relação a direitos do autor como aos que lhe são conexos, arrecadando e distribuindo as retribuições oriundas daquelas utilizações, com amplos poderes para atuar judicialmente ou extrajudicialmente em nome próprio para a consecução de suas finalidades (artigo 2º). Referida legitimação extraordinária consta expressamente do artigo 4º desta Resolução ao determinar que “nos termos do artigo 115 da Lei nº 5988/73, com o ato de vinculação do ECAD, as associações por si e por seus representados, investem o ECAD, nos limites da competência desta, dos poderes mencionados no artigo 104 daquela lei”.

A seguir, a Resolução CNDA nº 24, de 11.03.1981, estabeleceu que os valores a serem cobrados constariam de tabela única, elaborada pelo ECAD e homologada pelo CNDA (artigo 3º), bem como que para fixação dos preços os usuários poderiam ser classificados em grupos, tipos, classes, níveis e regiões, de acordo com a atividade exercida, capacidade financeira e região sócio-econômica onde operassem (artigo 5º). Este ato normativo foi ratificado pela Resolução CNDA nº 46, de 25.02.1987, delegou que a competência para fixar o preço de utilização de obras musicais e fonogramas, revisando-o quando entendesse conveniente, era da Assembléia Geral do ECAD.

A extinção do CNDA, ocorrida no governo Collor e antes mesmo da vigência da Lei nº 9.610/1998, não impediu que o ECAD continuasse a elaborar tabelas de preços, posto que a entidade sempre foi o órgão encarregado de prepará-las. Nem mesmo a ausência de um órgão homologador estaria a inviabilizar a cobrança dos preços fixados, posto que o artigo 73 da Lei nº 5.988/1973, à época vigente, vedava a execução de composição musical sem autorização do autor.

Tem-se que a extinção do Conselho Nacional de Direitos Autorais em nada retirou do ECAD a legitimidade para a cobrança de direitos autorais.

Tal entendimento decorre do fato que o órgão extinto, criado pelo Poder Público, tinha como função fiscalizar, oferecer consultas e assistência no ramo dos direitos autorais. O CNDA, contudo, não atuava exclusivamente nas atividades do ECAD, razão pela qual este não perdeu sua legitimidade pela extinção daquele, vez que permaneceu existindo no ordenamento legal. Por outro lado referida extinção apenas demonstra a intenção do Estado em diminuir sua intervenção nas relações derivadas dos direitos autorais.

A Lei nº 9.610/1998 manteve o mesmo mecanismo centralizado de arrecadação e legitimou o ECAD para promover a cobrança de direitos autorais e para atuação em juízo ou fora dele (artigo 99).

Esta lei, com o intuito de atualizar e consolidar a legislação sobre a matéria, bem como de afastar o intervencionismo estatal no âmbito do direito autoral, manteve as disposições acima citadas com pequenas alterações, sem, contudo, retirar a legitimidade judicial e extrajudicial do ECAD para atuar judicialmente ou extrajudicialmente na realização de seus objetivos institucionais. Desse modo, conclui-se que o ECAD é uma associação legalmente constituída e com poderes expressos para defesa de direitos autorais (artigos 98 e 99).

A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em relação às Leis nºs 5.988/1973 e 9.610/1998:

“Direito Autoral – Legitimação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição para autorizar a execução pública de obras musicais, bem como arrecadar e distribuir as respectivas retribuições. Poderes para atuar judicial ou extrajudicialmente em nome próprio para consecução de suas finalidades. Lei nº 5.988, de 1973, arts. 104 e 115”;

“I. Liberdade de associação. 1. Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. 2. Direitos autorais e conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (L 9610/98, art. 99, cabeça e §1º), sem ofensa do art. 5º, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão  de conciliar-se com o disposto no art. 5º, XXVIII, b, da própria Lei Fundamental”.

Ademais, trata-se de uma relação de direito privado e por isso cabe aos titulares de direitos de autor, ou às associações que os representam, elaborar tabela de valores correspondentes à retribuição autoral a ser cobrada pela utilização das obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, sem nenhuma interferência de órgão governamental ou mesmo do Poder Judiciário.

Aliás, esse é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que em numerosos precedentes reconhece a legitimidade ativa do ECAD para cobrança de direitos autorais em nome dos titulares das composições lítero-musicais, sendo inexigível a prova de filiação e autorização respectivas:

“Não cabe ao Poder Público estabelecer tabela de preços para a cobrança de direitos autorais, ausente qualquer comando legal nessa direção, competente, assim, o ECAD para tanto. (…….) O direito autoral não pode ser considerado fora do âmbito do seu titular, ou seja, quem exerce o poder de fixar o valor para utilização da obra intelectual, no caso, é o autor, não o Estado. Não há previsão legal alguma para que tal ocorra, nem é possível admitir que esse direito inerente ao trabalho criador possa ser deslocado para o Estado”.

“Os valores cobrados são aqueles fixados pela própria instituição, em face da natureza privada dos direitos reclamados, não sujeitos a tabela imposta por lei ou regulamentos administrativos”, ao que acrescemos, especialmente levando em conta a ausência de tabela oficial ou regulamento a disciplinar como as cobranças de direitos autorais devem ser feitas;

“Cabe aos titulares dos direitos autorais ou às associações que mantêm o ECAD determinar os valores para a cobrança dos direitos patrimoniais decorrentes da utilização de obras intelectuais”.

Ainda de notar que todo o sistema de direito autoral se embasa na cobrança, pelo titular, dos direitos patrimoniais que detém, razão pela qual lhe cabe fixar o valor pelo qual oferece sua obra.

Existem no Brasil diversas associações que administram a utilização de obras intelectuais de seus filiados, sem que o ECAD perca a representatividade para cobrar os direitos autorais, agindo como substituto processual e sem impedir que outras associações ou o próprio titular também possam fazê-lo diretamente (artigo 98 e parágrafo único, da LDA de 1998).

A Lei nº 9.610/1998 assegurou às associações, mandatárias de seus associados pelo simples ato de filiação, a prática de todos os atos necessários à defesa judicial e extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança (artigos. 97 e 98). Referida lei estabeleceu ainda que “as associações manterão um único escritório central para arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e litero-musicais e de fonogramas”, que atuará “em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a ele vinculados”, podendo fazê-lo também as associações, bem como “manter fiscais” (artigo. 99 e § 4º).

Com efeito, tratando-se de uma relação de direito privado, cabe aos titulares de direitos de autor, ou às associações que os representam, elaborar a tabela de valores correspondentes à retribuição autoral a ser cobrada pela utilização das obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, sem nenhuma interferência de órgão governamental e nem mesmo do Poder Judiciário. Assim, os próprios titulares podem dispensar a intervenção das associações e do ECAD, não sendo, portanto, compelidos a se associarem para receber seus direitos patrimoniais.

Assinale-se, mais, que não há tabela oficial regulamentada por lei ou norma administrativa sobre o assunto, em razão da natureza essencialmente privada desses direitos.

A fixação destes valores deve ser norteada por critérios objetivos e publicizados, competindo ao Judiciário impedir condutas abusivas, ainda que se tratando de relacionamentos privados e direitos disponíveis.

O Regulamento de Arrecadação do ECAD, bem como a respectiva Tabela de Preços, têm seu fundamento no artigo 5º, incisos XXI, XXVII e XXVIII, da Constituição Federal e no artigo 99 da Lei nº 9.610/98, devendo ser fixados pela Assembléia Geral da entidade, publicados no Diário Oficial da União e registrados no cartório competente, de modo a assegurar a todos os usuários o pleno conhecimento da matéria.

Portanto, tem plena validade jurídica uma decisão tomada em assembléia do órgão máximo do ECAD, composto por associações de titulares de direitos de autor, que fixe o preço a ser cobrado pela utilização das obras artísticas que protege.

Contudo, necessário enfatizar que a par da inquestionável legitimidade judicial e extrajudicial, legalmente conferidas ao ECAD, os critérios de fixação de preços não se baseiam na efetiva utilização das obras musicais protegidas, mas envolvem elementos estranhos às composições como complexa metodologia, fórmulas matemáticas confusas, fatores, reduções, índices como a UDA-Unidade de Direito Autoral e parâmetros físicos e demográficos (classificação dos usuários em grupos, tipos, classes, níveis, regiões e capacidade financeira e, no caso de meios de hospedagem, a taxa de ocupação dos estabelecimentos). A sociedade organizada está a exigir parâmetros mais simples, diretos, transparentes e acessíveis à compreensão de todos os usuários, o que, por certo, constitui igualmente objetivo do ECAD.

Saliente-se que é completamente infundada a tentativa de atrair para a discussão do tema a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que inexiste na espécie qualquer relação de consumo. O ECAD não presta serviços e nem vende produtos, mas cobra direitos autorais, agindo como substituto processual dos titulares, razão pela qual não há como falar em incidência do CDC.

Outro aspecto que merece relevo é o fato de descaber a cobrança dos meses anteriores à lavratura do Auto de Infração de Direito Autoral, posto que o período de inadimplência inicia-se “na data do auto de comprovação de violação do direito”, até porque a entidade fiscalizadora deve provar a existência da dívida, a qual não pode ser presumida.

Por derradeiro de consignar que o Regulamento de Arrecadação do ECAD prevê que “toda utilização não previamente autorizada, será objeto da lavratura de um auto de comprovação de violação de direito autoral”, que deverá ser devidamente assinado pelo usuário infrator e por duas testemunhas (item 13). Tais formalidades são imprescindíveis para a prova das infrações alegadas, porquanto os fiscais do ECAD não são portadores de fé pública e os documentos produzidos sem os requisitos mencionados carecem de validade e valor probante.

Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência:

“AÇÃO DE COBRANÇA – DIREITOS AUTORAIS – ECAD – LEGITIMIDADE – AUTO DE INFRAÇÃO – REQUISITOS DE VALIDADE

1 – A lei confere ao ECAD a atribuição de promover a arrecadação e distribuição dos direitos autorais, cabendo a ele a fixação dos preços e ao usuário a utilização da obra musical e lítero-musical e o pagamento do preço ou simplesmente deixar de pagar o preço, mas sem fazer o uso pretendido.

2 – Constituem requisitos do auto de infração, conforme Regulamento de Arrecadação, a assinatura do representante legal ou do preposto da empresa infratora, bem como de testemunhas devidamente qualificadas, para legitimar formalmente a cobrança de direitos autorais, já que os fiscais do ECAD não gozam de fé pública, não decorrendo, pois, dos autos ou termos por eles lavrados, presunção de veracidade”;

“AÇÃO DE COBRANÇA – DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE REPRODUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS – ECAD – ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO. Sendo o ECAD uma instituição privada, seus fiscais não gozam de fé pública ou poder de polícia, não se podendo impor presunção de veracidade aos atos por eles lavrados e elaborados unilateralmente, cujo conteúdo não foi corroborado pela assinatura do responsável pelo evento ou por testemunhas que comprovem a reprodução de obras musicais desautorizadas”;

“O Regulamento de Arrecadação do ECAD estabelece o critério de cobrança por parâmetro físico, vinculando todos os usuários que constituem seu público-alvo. Não comprovada irregularidade na fixação dos valores, estes se confirmam como válidos e com correção na forma prevista no citado dispositivo normativo próprio”;

“Admite-se a comprovação da execução de músicas, sem prévia autorização, por auto padronizado com indicação das mesmas e por duas testemunhas assinado, ficando caracterizada a violação aos direitos dos autores”).