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Defensoria Pública: Resolução extrajudicial de demandas e gestão constitucional de recursos financeiros em tempos de crise

6 de novembro de 2018

Presidente da Associação Goiana dos Defensores Públicos Defensor Público do Estado de Goiás

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Com a proximidade do aniversário de 30 anos da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, a dita Constituição Cidadã, rememora-se que avanços sociais foram empreendidos, mas percebe-se também que muito ainda há de ser feito para dar plenitude ao que se exterioriza na Carta Magna, isso em um cenário econômico no qual determinados agentes dispendem esforços para minorar conquistas históricas.

Nota-se que os direitos e garantias fundamentais ainda merecerem atenção especial e que, apesar dos anos, a fragilidade é característica desses institutos jurídicos que alicerçam a jovem democracia brasileira.

Em que pese as defesas legítimas promovidas por diversos seguimentos sociais para manutenção do mínimo garantido em sede constitucional, sob a tese da vedação do retrocesso, não se deve ignorar que o cenário econômico nacional é efetivamente desfavorável para defesas puramente ideológicas desconexas da realidade nacional.

Necessário relembrar que o PIB real do Brasil apresentou retração e estagnação desde os idos do ano de 2014 e que ajustes fiscais foram promovidos na União e diversas Unidades da Federação, com intuito de adequar despesas às receitas previstas, o que ainda assim não foi o suficiente para melhoria significativa conjuntura econômica.

Nesse cenário desfavorável encontramos a Defensoria Pública, instituição com status constitucional, permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, expressão e instrumento do regime democrático, a quem incumbe a orientação jurídica, promoção de direitos humanos, além da defesa, em todos os graus, na esfera judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados.

Conclui-se da simples leitura do disposto no art. 134 e parágrafos da Constitucional Federal a grandeza da missão institucional das Defensorias Públicas e que em um país de dimensões continentais, não são poucos os recursos humanos, financeiros e tecnológicos para que possa exercer o múnus de forma adequada.

Não bastante o exposto, não se pode ignorar a emenda constitucional n° 80 de 2014, decorrente da denominada PEC das comarcas, que busca garantir à toda população brasileira o mais básico dos direitos humanos: o direito de ter direitos, e que para tanto previu a obrigatoriedade da instalação de órgãos de atuação da Defensoria Pública em todas as unidades jurisdicionais do país até o ano de 2022, com primazia para áreas de maior exclusão social e adensamento populacional.

Poucas não são as dificuldades para os gestores públicos de direcionar recursos para atender a determinação constitucional já que, segundo dados da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), apenas 1.064 das pouco mais de 2.750 unidades jurisdicionais restam atendidas pela Defensoria Pública, ou seja, aproximadamente 40% das unidades jurisdicionais contam com o serviço.

Em cotejo ao cenário desafiador, devemos acrescentar o índice de confiança nas instituições de Justiça, que conforme pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no primeiro semestre de 2017, aponta para queda de 10% na confiança ao Poder Judiciário entre os anos de 2013 e 2017, saindo de 34% para a casa de 24% da população, muito aquém de instituições como as Forças Armadas, Igreja Católica e as redes sociais, que superam a marca dos 50% nos dois primeiros casos e está na casa dos 37% na terceira posição.

Em uma abordagem simplificada, ainda utilizando o estudo da FGV como parâmetro, tem-se que a síntese da baixa confiança no Poder Judiciário pode ser descrita como o “Judiciário é lento, caro e difícil de utilizar”. No primeiro semestre de 2017, dentre os entrevistados, 81% respondeu que o Judiciário resolve os casos de forma lenta ou muito lenta; 81% mencionou a questão dos custos de acesso à Justiça e em 73% dos casos os entrevistados disseram ser difícil ou muito difícil acessar a Justiça.

Ainda analisando a percepção da população sobre o Poder Judiciário, salta aos olhos números que apontam para a crença de 73% dos respondentes que o Poder Judiciário é nada ou pouco competente para solucionar conflitos. Por fim, a pesquisa demonstrou que 92% do universo entrevistado considera conhecer nada (7%), quase nada (22%) ou um pouco (63%) da leis brasileiras.

Em complemento aos dados da pesquisa citada, que conduzem à conclusão de queda na confiança do Poder Judiciário, o relatório “Justiça em Números 2017”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), demonstra que o prazo médio para sentença na Justiça Estadual na fase de conhecimento em primeiro grau é de um ano e sete meses, na fase de execução em primeiro grau é quatro anos e oito meses, ou seja, o tempo do sistema de justiça não é o tempo almejado pela população, que não deseja esperar anos para ter sua pretensão analisada e julgada pelo Poder Judiciário.

Em relação custo do processo, para o fim aqui proposto de se estruturar a Defensoria Pública, visando seu papel constitucional de promover o acesso à justiça, promover a resolução extrajudicial de conflitos e como ser viável ao modelo dominante de judicialização, relembra-se pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do ano de 2011, que ao analisar o custo de um processo de execução fiscal na Justiça Federal, com a definição de custos para unidades de serviço e índice médio de utilização de cada unidade, chegou à conclusão de que o custo unitário de um processo de execução fiscal era de R$ 4.368,00, para a União, considerando o custo ponderado da remuneração dos servidores.

Ora, ainda que cientes das distorções ocorridas ao utilizarmos pesquisas distintas e de períodos distintos, assemelha-se razoável a conclusão majoritária da pesquisa de confiança nas instituições de que o Poder Judiciário é lento e caro para a população, sem deixar de lado também a conclusão empírica de que o sistema legal e a inflação legislativa tornam as relações jurídicas complexas e dificultam o acesso ao Poder Judiciário pois, como regra, exige-se profissional capacitado, com custo significativo, para se acionar a máquina pública.

O último dado relevante, no contexto objeto de discussão, e que se faz necessário pontuar, é que tanto na pesquisa de Índice de Confiança na Justiça no Brasil da FGV, quanto no relatório “Justiça em Números” de 2017, do CNJ, as maiores demandas judicializadas estão relacionadas com questões trabalhistas, esfera cível em sentido amplo, incluindo direito do consumidor, relações entre particulares, responsabilidade civil e questões família, bem como direito penal e previdenciário, com algumas diferenças entre os dados do CNJ e os motivos que levam as pessoas a buscar o Judiciário, segundo a FGV.

Percebe-se que volume significativo de demandas levado ao Poder Judiciário é passível de ser solucionado de forma extrajudicial, incluindo e, em especial, através de métodos de autocomposição.

A título argumentativo, relembremos que casos que envolvem registro civil de pessoas naturais, dentre eles retificação de registro, alteração de nome e gênero, assento tardio de nascimento, podem ser resolvidos de forma extrajudicial; que nos casos de família, há a possibilidade do divórcio, do inventário e partilha extrajudiciais, e que com técnicas diversas, dentre elas conciliação, mediação, ou mesmo utilização constelação familiar, pode se chegar a acordo e colocar fim ao conflito em curto lapso temporal, sem o custo e desgaste de um processo judicial, que por vezes somente põe fim à lide mas nunca ao conflito, que se assevera.

Giza-se, ainda, que com as disposições do Código de Processo Civil, parte significativa das demandas que são tradicionalmente levadas ao Poder Judiciário, poderiam ser resolvidas com acolhimento adequado nas Defensorias Públicas, que utilizando-se de recursos próprios e do know-how adquirido com a especialização e volume de atendimentos realizados diariamente, pode obter acordos consolidados em títulos executivos extrajudiciais.

O mesmo raciocínio esboçado nas hipóteses acima é possível de aplicação nos casos trabalhistas, nas questões entre particulares, nas relações consumeristas e, em alguma medida, nos conflitos contra entes públicos, como em casos de tratamentos de saúde
de responsabilidade inconteste do ente federativo demandado.

Retoma-se aqui a proposta inicial do presente trabalho, que é demonstrar que o investimento na Defensoria Pública para resolução extrajudicial de demandas é capaz de satisfazer parcela significativa da população com custo inferior ao das questões judicializadas e em curto espaço de tempo.

A consequência lógica de investir na única instituição com previsão constitucional habilitada para promover o acesso à Justiça da parcela vulnerável da população e que tem a função de buscar a resolução extrajudicial de conflitos, é a diminuição de novas demandas judiciais, melhoria na percepção de celeridade e capacidade de resolver conflitos nos casos que necessariamente precisam ser levados ao crivo judicial, além da essencial redução de custos para o Poder Público.

Se tomarmos como parâmetros os custos de um processo e o tempo de duração, conclusão lógica é que ainda que utilizado o mesmo valor mas reduzindo-se para hipotéticos dias de dedicação exclusiva de membros e servidores da Defensoria Pública em casos individuais, teríamos a resolução infinitamente mais célere de conflitos e diminuição de processos em trâmite.

A criação de órgãos próprios de resolução extrajudicial de demandas no âmbito das Defensorias Públicas serviria mais do que para redução de custos no Judiciário é forma de racionalização dos trabalhos, em atendimento aos princípios da eficiência e economicidade, pois assim é possível trabalhar com quantidade reduzida de membros para acompanhamento de fases processuais que levam anos para se encerrarem.

Não bastante, assumir a responsabilidade pela redução da judicialização e reforçar o papel institucional de acesso à justiça, considerada como meio de resolução de demandas e não acesso ao Poder Judiciário, em um novo modelo colaborativo e de consenso, é além de função institucional, ferramenta de pacificação social.

Lembre-se ainda que, hodiernamente, nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSC), na maioria dos casos inexistem membros do Ministério Público ou do Poder Judiciário, sendo a Defensoria Pública a força motriz do projeto, juntamente com conciliadores, mediadores e outros profissionais, mas que os dados estatísticos dos esforços defensoriais são destinados ao Poder que por vezes cede apenas espaço e, por vezes nem isso, mas faz constar em seus relatórios os êxitos na resolução consensual de conflitos, essa promovida por terceiros em grande maioria.

Assim, em primeiras conclusões, se os recursos financeiros são escassos para os desígnios constitucionais da Defensoria Pública, adequado é o investimento em programas próprios de resolução extrajudicial de demandas e conflitos, tomando como parâmetro o custo do processo judicial na unidade jurisdicional, em razão do qual deve-se distribuir a força de trabalho institucional, em áreas do conhecimento e horas de profissionais diversos, com valores que sejam inferiores ao valor do processo e custo do que teria a Instituição para acompanhar uma demanda judicializada no tempo estimado de conclusão.

Por fim, pode-se afirmar que investir recursos financeiros na resolução extrajudicial de demandas, via Defensoria Pública, nada mais é do que atender ao máximo o dever constitucional de se promover o acesso à justiça aos mais vulneráveis, utilizando de forma eficaz, efetiva e eficiente os recursos públicos que são timidamente destinados à jovem Instituição. Trata-se, no mais, de modelo de gestão de interesses múltiplos em cenário de crise, com potencial para trazer elevado grau de satisfação aos usuários do serviço de assistência jurídica prestado de forma integral e gratuita, ao contrário do que se nota em relação ao Poder Judiciário em pesquisas recorrentes de índice de confiança.