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Concessões pela menor tarifa ou pela menor tarifa possível?

19 de abril de 2013

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Recentemente, a presidente Dilma Rousseff anun­ciou um grande pacote de concessões federais na área de transportes com a delegação para a iniciativa privada de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias tendo o propósito de suprir os atuais gargalos de infraestrutura no setor.

Confiram-se as palavras da presidente por ocasião do lançamento do aludido pacote: “Nós estamos fazendo parceria para ampliar a infraestrutura do país, para beneficiar sua população e seu setor privado, para saldar uma dívida de décadas de atraso em investimentos em logística e, sobretudo, para assegurar o menor custo logístico possível, sem monopólios”1.

Destaque-se na fala da presidente a alusão ao menor custo logístico possível. Em outras palavras, é possível inferir que a presidente pretendeu deixar claro que, no atual momento, para ser considerado o vencedor, não bastará que o licitante proponha a menor tarifa dentre todos os outros, o governo examinará também a viabilidade econômica da proposta, ou seja, se a menor tarifa é factível financeiramente frente aos investimentos previstos.

Analisando-se a 2ª etapa do programa de concessões rodoviárias federais, iniciado em 2007, será possível compreender a importância da fala da presidente. Enquanto, na 1a etapa ocorrida nos anos 90, o vencedor da licitação era aquele que oferecesse o maior pagamento pela outorga no leilão, na 2ª etapa, o licitante que propusesse a menor tarifa dentre todos os outros seria considerado o vencedor. Essa alteração deveria gerar tarifas consideravelmente mais baixas sem comprometer a qualidade.

Os leilões confirmaram essa presunção teórica. Mais do que isso, os resultados superaram as expectativas mais otimistas com significativos deságios em relação às previsões iniciais. Foram concedidas algumas das mais importantes rodovias do país como a Fernão Dias e a Régis Bittencourt. Registre-se que nessa época diversos especialistas afirmaram que as propostas vencedoras continham tarifas excessivamente baixas e eram inviáveis economicamente por serem insuficientes para cus­tear todos os investimentos previstos.

Nessa direção, a realidade dos fatos demonstra que a 2ª etapa está distante dos objetivos almejados inicialmente.
Embora grande parte das praças de pedágios esteja funcionando, as obras estruturantes como a ampliação do número de faixas e a construção de contornos que desatariam engarrafamentos estão atrasadas. Como se não bastasse, os índices de acidentes em algumas concessões aumentaram expressivamente, e, mesmo com pouco tempo de execução, a maioria dos contratos já sofreu amplas renegociações.

Analisando-se os fatos destacados acima e considerando a abrangência dos pedidos de renegociação feitos até o momento, bem como o curto espaço de tempo em que foram pleiteados, uma das hipóteses que pode ser aventada é a incidência da “winner’s curse” (maldição do vencedor)2.

Tal fenômeno ocorre quando a licitação é vencida pela empresa que realiza as projeções mais otimistas e não por aquela que é a mais eficiente. Posteriormente, nesses casos, é comum a ocorrência de renegociações com o propósito de evitar os riscos de quebra e viabilizar a exploração da concessão3.

Possivelmente, a experiência com a segunda etapa das concessões rodoviárias tenha introduzido no governo federal o conceito da menor tarifa possível. Precisa-se evitar que episódios como os descritos acima aconteçam, pois o processo de concessão para a iniciativa privada só se justifica quando ocorrem consideráveis ganhos de bem estar para os usuários do serviço concedido.

Contudo, apenas o exame da viabilidade econômica das propostas no curso da licitação não basta. A principal maneira de prevenção consiste na criação de mecanismos que dificultem ao máximo os pedidos de renegociação oportunistas, como, por exemplo, a repartição objetiva dos riscos no contrato4. A renegociação deve ser exceção e considerada – a princípio – improvável pelos concessionários, devendo ocorrer apenas nos casos em que o particular sofra prejuízos decorrentes de riscos assumidos pelo Estado no contrato de concessão. Isto só é factível com editais e contratos bem elaborados e com suporte político para resistir a possíveis pressões.

Por si só, os processos de renegociação – mesmo os que não possuem motivação oportunista – retiram ganhos de eficiência do processo de concessão. Em todos os casos que um contrato exija a transferência ex post de recursos de uma parte à outra como forma de compensar prejuízos através de indenizações em dinheiro, aumento de tarifa, postergação de investimentos ou a prorrogação do prazo do contrato, é necessário incorrer em custos para verificar se a compensação é realmente devida, determinar o seu montante e executar o contrato em juízo, caso uma das partes se recuse a cumpri-lo.

Entretanto, a consequência mais nociva dos processos de renegociação é aquela referente às alterações dos contratos em termos desfavoráveis ao Estado e aos usuários dos serviços. O motivo para tanto não é difícil de entender: o particular sabe que o custo do rompimento do contrato de concessão é muito alto para o Estado (a não realização dos investimentos), para os governantes (custos políticos) e também para a população (não poder usufruir das melhorias que a execução do contrato proporcionaria).

O fomento indiscriminado à cultura das renegociações esvazia o processo licitatório e reduz os ganhos de eficiência que a competição propicia. Nas renegociações o concessionário não está sujeito a pressões concorrenciais possuindo melhores condições para impor sua vontade.5

O efeito dessas condutas é extremamente danoso para a sociedade, pois retira os ganhos que o processo licitatório deveria proporcionar – decorrentes da competição entre os proponentes – suscitando elevados aumentos de preços e eliminação de concorrentes de boa-fé.

Quando as renegociações se tornam prováveis, o processo licitatório tende a selecionar o proponente que reúne as melhores condições para renegociar os contratos e não aquele que exploraria a concessão com maior eficiência6. Isto incentiva e potencializa projeções excessivamente otimistas no curso da licitação.7

Esperemos que o governo tenha aprendido com a experiência recente e chegado à conclusão, mesmo que tardiamente, de que o barato pode sair muito caro.

Notas _________________________________________________________________________________

1 Fonte: http://www.casacivil.gov.br/noticias/2012/08/201co-que-nos-queremos-e-uma-logistica-competitiva201d-afirma-presidenta-ao-lancar-programa-de-concessoes-de-rodovias-e-ferrovias
2 CAPPEN E., R. Clapp y W. Campbell. “Competitive Bidding in High Risk Situations”. Journal of Petroleum Technology, 23 (1971), pp. 641-653.
3 THALER, R. “Anomalies: The Winner’s Curse”. Journal of Economic Perspectives, 2 (1988), p 195.
4 Sobre os benefícios da repartição objetiva dos riscos em concessões ver PINTO, Marcos Barbosa. Repartição de Riscos nas Parcerias Público-privadas in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, jun. 2006; e RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos, Editora Atlas, São Paulo, 2011, p. 78.
5 Such behavior undermines the efficiency of the process and the overall welfare, because renegotiation takes place between the government and the operator only, so it is not subject to competitive pressures and their associated discipline. (GUASCH, J. L. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p 19).
6 “As noted, firms may consider aggressive bidding a rational strategy if governments are unable to commit to a policy of no renegotiation. Firms are then likely to submit unsustainable bids with the intention of renegotiating better terms after the concession has been awarded.” GUASCH, J. L. Granting and renegotiating infrastructure concessions: doing it right. World Bank Institute Development Studies, 2004, p. 44
7 A Comissão Europeia também manifesta preocupação quanto a esta possibilidade (EUROPEAN COMMISSION. Guidelines for Successful Public – Private Partnerships, 2003, p. 52)