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Cármen Lúcia, uma ministra a frente do seu tempo

11 de setembro de 2012

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Primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra Carmem Lúcia Antunes da Rocha tem a sua frente uma enorme e importante missão: comandar as eleições para os 5.566 municípios brasileiros, que ocorrerão em outubro deste ano, e garantir pela primeira vez a aplicação da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), que visa a barrar a candidatura de políticos condenados pelo Poder Judiciário. Em manifestações recentes, a ministra tem destacado que seu o maior objetivo na condução da Justiça Eleitoral é garantir um pleito seguro, moral e tranquilo em 2012.

Cármen Lúcia foi eleita para a presidência do TSE em sessão administrativa ocorrida em 6 de março último. Ela assumiu o cargo no dia 18 de abril, em sucessão ao ministro Ricardo Lewandowski. Ainda na posse, a ministra reconheceu que os desafios a serem superados pela Justiça nesse ano não serão fáceis. Um deles diz respeito à eficiência. Segundo afirmou, esse é um dos problemas que afligem a Justiça dos principais estados contemporâneos na atualidade.

“Justiça artesanal em uma sociedade de massas é desafio que se impõe sem solução mágica. Somos juízes, fazemos Direito, não fazemos milagre. O problema da Justiça não prestada com a rapidez desejada e a segurança esperada não é nossa culpa, porém é sim a nossa responsabilidade e nós sabemos disso”, afirmou a ministra durante sua posse como presidente do TSE. Na ocasião, ela destacou que a transformação desse quadro “é um desafio que se impõe”.

Mensalão

É para mudar esse quadro que Cármen Lúcia tem buscado, com louvor, fazer jus aos deveres que seu cargo no TSE lhe impõe. Ela tem trabalhado arduamente para fazer com que as eleições transcorram de maneira tranquila. A missão, no entanto, por vezes parece impossível de ser cumprida. Integrante também da mais alta corte do País – o Supremo Tribunal Federal – a ministra encontra-se atualmente envolvida no julgamento da Ação Penal 470, mais conhecida como o processo do mensalão.

Criticada pelos advogados por ter deixado a sessão de julgamento do mensalão no último dia 8 de agosto, para cumprir compromissos no TSE, a ministra desabafou: “Estou dando tudo o que eu posso. O que não posso é deixar de assumir integralmente a responsabilidade do processo eleitoral”, declarou.

Em meio ao estudo das mais de 60 mil páginas do processo do mensalão, a ministra vem despachando no TSE aos finais de semana. No sábado, dia 4 de agosto, por exemplo, ela despachou em casa com assessores e depois foi ao TSE, onde ficou das 15h às 20h40. No dia seguinte, domingo, foi ao Supremo, onde ficou das 9h às 14h decidindo questões administrativas da Justiça Eleitoral com assessores diretos e com o diretor-geral do TSE. “Estamos a menos de 60 dias das eleições. Por isso, estou compatibilizando minhas funções no STF e no TSE, trabalhando 18 horas por dia, inclusive sábados e domingos”, afirmou na ocasião.

Segunda mulher a ascender ao STF, Cármen Lúcia vem se destacando por uma atuação marcada por quebra de paradigmas – dentro e fora dos autos. Exemplo disso pôde se ver em março de 2007, quando a ministra ganhou os holofotes da mídia por comparecer à sessão de julgamento do Supremo trajando calças – fato inédito nos 200 anos da maior corte do País.

Decisões

No TSE, a atuação não também tem sido ousada. No último dia 9 de agosto, a ministra voltou a realizar mais uma reunião com os presidentes dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) do País para tratar da organização do pleito municipal. Na ocasião, foi decidida uma série de medidas. Uma delas diz respeito à greve dos servidores, para que não acabe atrapalhando o cronograma do pleito municipal. “É um direito do servidor público fazer greve, mas o direito de votar do cidadão deve ser respeitado”, declarou a ministra durante o encontro.

Cármen Lúcia aproveitou a ocasião também para se colocar à disposição dos TREs para ouvir e auxiliar em qualquer dificuldade. Ela ainda prometeu se reunir mensalmente com as cortes, até o fim do seu mandato, para acompanhar mais de perto a rotina dos estados.

Sob o comando da ministra, o TSE divulgou no último dia 5 de agosto o balanço das análises dos pedidos de candidatura feitos em todo o Brasil para os cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereador, conforme prazo estabelecido pela Lei das Eleições (9.504/1997). Até essa data, a Justiça Eleitoral havia registrado 474.079 pedidos de registro. Desse total, 95% já haviam sido julgados, ou seja, 451.248 deles. Os números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral são significativamente superiores ao de eleições anteriores. Em 2000, por exemplo, o TSE havia recebido 377.403 pedidos de candidaturas. Em 2004, 401.614. E em 2008, 383.406.

No último dia 9 de agosto, o Plenário do TSE também tomou outra importante decisão para as eleições municipais deste ano ao aprovar a resolução que trata da representação dos partidos a ser considerada para a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita. A norma tem por objetivo orientar os juízes eleitorais de todo o País na distribuição do horário de propaganda eleitoral que começará no dia 21 de agosto no rádio e na TV entre os partidos e coligações. O texto foi aprovado com base na decisão do STF, que, ao julgar ações diretas de inconstitucionalidade, definiu como deve ser feita a distribuição dos dois terços do tempo reservado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

Todas essas medidas, embora integrantes do processo eleitoral, estão sendo cumpridas nos devidos prazos, a fim de possibilitar um pleito tranquilo, como objetiva a ministra e anseia a sociedade. A preocupação da presidente do TSE, entretanto, vai além. É que esta é a primeira eleição a contar com a orientação da Lei da Ficha Limpa, que visa a banir a candidatura de pessoas condenadas em definitivo pelo Poder Judiciário.

Ficha Limpa

Em uma reunião com juízes catarinenses na sede da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina, em junho último, Cármen Lúcia anunciou que pretendia formar uma “rede nacional de juízes eleitorais” em todo o País para acelerar a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições deste ano. “A Lei da Ficha Limpa é para ser aplicada. Não é um aviso, uma sugestão ou um conselho. É uma norma de direito de observância obrigatória de todos”, afirmou na ocasião.

A iniciativa da presidente do TSE se baseia no fato de esta ser a primeira eleição na qual a lei será aplicada. É que preocupa a ministra a falta de jurisprudência sobre o assunto. “Não há uma jurisprudência consolidada em que, por exemplo, o juiz do interior possa se basear para tomar suas tomar suas decisões. Por isso, estamos tomando providências e criando um grande banco de dados para que o magistrado possa ter acesso diante das dificuldades”, afirmou.

Esse banco de dados ficará sitiado no portal do TSE na Internet. O objetivo é disponibilizar um espaço para troca de informações, realização de conferências e acesso a artigos doutrinários sobre a Lei de Ficha Limpa, exclusivamente pelos juízes. As mudanças, no entanto, não param por aí. Na retomada dos trabalhos da corte, Cármen Lúcia anunciou ainda mudanças no site a fim de tornar mais claros e bem apresentados para o cidadão os serviços prestados pelo TSE. “Os serviços serão melhor prestados não só aos juízes brasileiros mas a todos os usuários, especialmente neste período eleitoral”, afirmou.

Constitucionalidade

Cármen Lúcia sempre foi uma árdua defensora da Lei da Ficha Limpa. Na sessão do STF que declarou a norma constitucional, a ministra fundamentou seu voto na seguinte ponderação: o que se passa na vida de alguém não se desapega de sua história. “O ser humano se apresenta inteiro quando ele se propõe a ser o representante dos cidadãos, pelo que a vida pregressa compõe a persona que se oferece ao eleitor, e o seu conhecimento há de ser de interesse público, para se chegar à conclusão quanto à sua aptidão, que a Constituição Federal diz moral e proba, para representar quem quer que seja”, explicou durante o julgamento.

Para Cármen Lúcia, a Lei da Ficha Limpa é uma reivindicação da sociedade e a responsabilidade de sua aplicação é exclusivamente dos juízes eleitorais. No entanto, nenhuma lei do mundo substitui a honestidade, a responsabilidade e o comprometimento do cidadão. Na sua posse, ela deixou claro que a eleição mais segura e honesta é aquela em que cada cidadão vota limpo.

“Como um rio que, por mais caudaloso que seja, não garante o barco nem transporta o ribeirinho que não deixa a comodidade da margem. Também o Direito mais bem elaborado não realiza a justiça se o cidadão não chamar a si a responsabilidade de fazer valer a lei para construir a sua história segundo a sua ideia do justo”, disse na ocasião.

E acrescentou: “Cada um de nós, cidadãos brasileiros, tem de ter mais e mais a clareza de que a construção do País é nossa responsabilidade e nossa possibilidade. Com essa consciência do dever comum é que reafirmo meu empenho total no cumprimento de minhas obrigações, como juíza constitucional e eleitoral, sem nunca deixar de ser uma cidadã brasileira, incondicionalmente compro­metida com o meu país”.

Responsabilidade

A preocupação para que as eleições transcorram de forma tranquila, moral e segura tem uma razão de ser. E uma razão forte. Os próximos representantes municipais permanecerão no poder pelos próximos quatro anos e serão os responsáveis por ditar e executar as políticas em áreas fundamentais como saúde, educação, emprego e moradia. Portanto, é grande a expectativa dos mais de 138,5 milhões de eleitores em todo o País. Número, aliás, que só tende a crescer.

Estatísticas divulgadas recentemente pelo TSE apontam que o eleitorado mais jovem voltou a crescer nas Eleições 2012, retornando ao mesmo patamar das eleições municipais de 2008. O eleitorado na faixa etária de 16 a 17 anos, apto a votar em outubro, atingiu 2.913.627, sendo 1.157.551 (0,82%) de eleitores com 16 anos e 1.756.076 (1,25%) de eleitores com 17 anos. Em 2008, o eleitorado nessa faixa etária era de 2.923.485 e havia caído para 2.391.092 nas eleições gerais de 2010.  Os números refletem o aumento do interesse e da participação dos eleitores mais jovens no processo eleitoral, ainda mais quando seu foco tem caráter municipal. O voto é facultativo aos eleitores com idades de 16 e 17 anos.

Para dar conta de toda essa demanda, o TSE comandado pela ministra anunciou recentemente que disponibilizará 501.923 urnas eletrônicas aos TREs do país. Alguns dos equipamentos já contam com o leitor biométrico para a identificação do eleitor por meio das impressões digitais. A expectativa é que no pleito de outubro sejam identificados pela nova tecnologia mais de 7,7 milhões de eleitores de 299 municípios em 24 estados do País. A biometria é importante porque permitirá à Justiça Eleitoral garantir ainda mais segu­rança à identidade do eleitor. Afinal, cada pessoa possui digitais únicas.