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Candidato com contas rejeitadas poderá ser impedido de concorrer em eleições municipais

8 de junho de 2012

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As eleições municipais deste ano deverão entrar para a história não apenas pela entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), mas por uma decisão inédita do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a de também barrar a candidatura daqueles que tiveram reprovadas as contas de campanha em pleitos anteriores. A determinação consta em resolução aprovada no último dia 1o de março, por uma maioria apertada de quatro contra três dos votos proferidos pelos ministros daquela corte.

Pela norma, candidatos com os relatórios sobre a arrecadação e gastos de campanha reprovados pela Justiça não poderão obter a certidão de quitação eleitoral – uma condição para o registro das candidaturas. A decisão ocorreu no julgamento de uma resolução sobre a prestação de contas para as eleições deste ano. O texto visa a definir as regras para a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros, assim como a prestação de contas da utilização desses valores.

A decisão não está prevista na Lei da Ficha Limpa, que entrará em vigor já nas eleições de 2012 por determinação do Supremo Tribunal Federal, mas ressuscita uma regra então prevista na Resolução 22.175/2008 do TSE, que negava o documento de quitação aos candidatos em débito com a Justiça Eleitoral. Essa exigência caiu com a aprovação da Lei 12.304, em setembro de 2009, pelo Congresso Nacional. Pela norma, a não apresentação das contas impediria a obtenção da certidão, mas a reprovação da prestação pela Justiça Eleitoral, não. Esse entendimento permaneceu nas eleições de 2010, com a edição da Resolução 22.217 pelo TSE. O mesmo esperava-se para este ano.

A matéria foi relatada pelo ministro Arnaldo Versiani e voltou à pauta com a apresentação de voto-vista pela corregedora eleitoral, ministra Nancy Andrighi, que defendeu a exigência não apenas da apresentação das contas, mas também da aprovação destas pela Justiça Eleitoral. “O candidato que foi negligente e não observou os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso, que cumpriu com seus deveres. Assim, a aprovação das contas não pode ter a mesma consequência da desaprovação”, argumentou.

A ministra anunciou que mais de 21 mil políticos fazem parte do cadastro de contas reprovadas da Justiça Eleitoral. Nem todos, entretanto, deverão ser afetados. É que o cadastro inclui reprovações anteriores a 2010, e a maioria dos ministros decidiu que a Justiça terá de analisar caso a caso se a regra vale para as contas rejeitadas anteriormente a essa última eleição. Além disso, o candidato que apresentar as contas poderá recorrer se a Justiça Eleitoral demorar a analisá-las.

Para o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, a decisão vai ao encontro da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), que teria por intenção estabelecer justamente a verificação do conteúdo das contas pelo Judiciário. “Tratar igualmente os que têm contas aprovadas e desaprovadas feriria o princípio da isonomia”, afirmou.

O ministro Marco Aurélio também manifestou entendimento semelhante. “Aquele que apresentou contas, mas foram rejeitadas, não pode obter a certidão de quitação eleitoral. Devemos avançar, visando à correção de rumos, dando ao preceito uma interpretação integrativa e de concretude maior”, destacou.

A decisão do TSE gerou polêmica. No dia 14 de março, presidentes e representantes de partidos políticos encaminharam ao ministro Arnaldo Versiani documento pedindo que reconsidere a nova exigência. O pedido foi apresentado pelo PT e assinado após reunião no Senado com 13 presidentes de partidos e cinco representantes da base aliada e da oposição na liderança do PMDB na Casa.

O presidente nacional do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), disse que a decisão do TSE pegou os partidos de surpresa. “Até então, a lei dizia que a não aprovação das contas não era motivo de inelegibilidade. Os candidatos poderiam obter a quitação eleitoral mesmo com as contas reprovadas em primeira instância, em segunda, nas comarcas ou no TSE”, disse.

Fernando Molina – advogado especializado em Direito Eleitoral do escritório Leite, Tosto e Barros – explicou à Revista Justiça & Cidadania que a exigência do TSE poderá cair. É que pela Constituição Federal, as causas de inelegibilidade somente podem ser instituídas por Lei Complementar e entrar em vigor após um ano da sua edição.

“Em minha opinião, a não emissão da certidão de quitação, apesar de ser condição de elegibilidade, acarreta inelegibilidade indireta. E assim sendo, a instituição desta regra deve respeitar os tramites legais: além de ter que ser instituída por Lei Complementar, deve entrar em vigor com no mínimo um ano de antecedência da data das eleições, uma vez que altera o processo eleitoral”, afirmou.

Na avaliação do advogado, a entrada em vigor da decisão do TSE nas eleições deste ano pode ser contestada. “Até dezembro do ano passado, quem teve as contas desaprovadas podia concorrer ao pleito em 2012. Nesse ano, a situação muda com a resolução do TSE aprovada em março. E quem teve as contas desaprovadas, por exemplo, nas eleições de 2008? Não conseguirá também a certidão de quitação eleitoral?”, criticou.

“Toda forma de moralizar a política é sempre bem-vinda. Contudo, não se pode passar por cima de tudo para impor certas condições. As normas devem ser respeitadas, principalmente as constitucionais”, defendeu Molina.

Leonardo Pietro Antonelli, advogado e juiz pela classe jurista do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), defende a determinação do TSE, a qual classificou como salutar. “Até então, o simples fato de o ex-candidato ter apresentado suas contas de campanha à Justiça Eleitoral era suficiente para possibilitar a certidão de quitação, documento necessário ao registro de sua nova candidatura. Ou seja, a mera entrega de um amontoado de papéis bastava para que se considerasse quite o candidato, habilitando-o a uma nova disputa, independentemente do exame de suas informações pelos órgãos técnicos do Tribunal. Agora, para obter a certidão, é necessário que o candidato tenha suas contas aprovadas, o que, evidentemente, contribui para depurar o nível da disputa, eliminando dela os políticos desidiosos”, argumentou.

No Rio de Janeiro, levantamento do TRE apontou que a decisão poderá atingir até 949 dos 2.527 candidatos a deputado estadual e federal, governador e senador nas eleições de 2010, que tiveram as contas consideradas irregulares. Ou seja, 38% dos políticos que disputaram as eleições passadas não poderão concorrer aos cargos de prefeito e vereador em disputa deste ano.

Antonelli critica os argumentos daqueles contrários à decisão do TSE. “O que fez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no caso em exame, foi apenas dar interpretação à regra que trata da certidão de quitação eleitoral, que o próprio legislador, aliás, estabeleceu como documento indispensável ao registro de qualquer candidatura, conforme a Lei 9.504/97”, disse.

“A prestação de contas pelos candidatos é o instrumento do qual dispõe o Judiciário para fiscalizar a movimentação financeira do processo eleitoral e a aplicação das leis que visam a assegurar o equilíbrio da disputa. Essa fiscalização é indispensável e fica mais efetiva quando a reprovação passa a ter efetivamente consequências”, destacou.

Além desta nova exigência, pela legislação já em vigor (Lei Complementar 64/90, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar 135/10, a Lei da Ficha Limpa) encontram-se listadas entre as causas de inelegibilidade o analfabetismo; perda de cargo eletivo por infringência à Constituição da República, Estaduais ou às Leis Orgânicas dos Municípios; e as condenações por abuso de poder econômico ou político.