Edição 232
Brexit: Por que o Reino Unido (UK) não saiu da União Europeia (UE), e o que vai acontecer agora?
10 de dezembro de 2019
Marcio Fernandes Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB

Aos 23 de Junho de 2016, o Reino Unido realizou um plebiscito a respeito da sua permancência na União Europeia. Em apertada maioria, (51,89%) a decisão se deu em favor da saída.
Brexit, a assim denominada saída do UK da UE, estava prevista para ocorrer em 29 de março de 2019 ao final de um período de dois anos de negociações nas quais representantes da União Europeia e do Reino Unido tentaram estabelecer as condições da saída. Essa data passou e, no entanto, nada aconteceu. Ainda hoje, não está claro se e quando o Brexit ocorrerá.
Porque o UK não cumpriu o prazo?
O artigo anterior tratou das cláusulas do Acordo de Saída (“Acordo”) negociado pelos representantes da EU e do Reino Unido. Por ser um tratado internacional, o Acordo não entrará em vigor enquanto não for votado e ratificado pelos Parlamentos da União Europeia e do Reino Unido. Explicou-se também a polarização política no Reino Unido entre aqueles que buscam uma maior integração política, jurídica e econômica com a União Europeia, e aqueles que acreditam que o Reino Unido deve ser totalmente independente do bloco. O Acordo já foi colocado em votação perante o Parlamento britânico algumas vezes, mas em virtude do ambiente político atual no Reino Unido, não se tem conseguido apoio suficiente e em cada votação para a aprovação do Acordo.
Na primeira vez em que o Acordo, às vezes referido como a “proposta” da então Primeira Ministra May, foi votado, em 15 de janeiro de 2019, o governo do Reino Unido sofreu uma derrota histórica, com uma rejeição de 230 votos. A então Primeira Ministra May buscou, naquela ocasião, maiores garantias juntos aos líderes do bloco europeu a respeito da controvertida cláusula Northern Ireland backstop no Acordo, com a esperança de que tais garantias persuadissem mais membros do Parlamento britânico (MPs) para apoiar o Acordo. As garantias, contudo, não bastaram para amenizar as dúvidas dos MPs sobre a proposta e quando foi votada pela segunda vez em 12 de março de 2019 foi novamente rejeitada, embora por uma margem menor de 149 votos.
O governo do Reino Unido, então, enfrentou uma situação difícil: sem a aprovação do Acordo no Parlamento, se nada fosse feito, o Reino Unido sairia automaticamente da UE às 23:00 horas (GMT) de 29 de março sem acordo (a saída denominada “crashing out”/cenário caótico). Com o prazo se esgotando, a entao Primeira Ministra May solicitou à União Europeia uma prorrogação da data da saída. Os líderes da Uniao Europeia concederam à entao Primeira Ministra May uma prorrogação de duas semanas até 12 de abril de 2019, com a vantagem de que se ela obtivesse a aprovação do Acordo pelo Parlamento do Reino Unido até a data de saída original (29 de marco de 2019), seria concedida uma prorrogação adicional até 22 de maio de 2019 para que o Reino Unido tivesse tempo para aprovar toda a legislação doméstica necessária para validar os termos da saída.
É possível que o UK permaneça na UE?
Embora o povo britânico tenha decidido por pequena margem a favor da saída da União Europeia em junho de 2016, nos últimos meses aqueles que apoiam a permanência britânica no bloco tem se empenhado em manifestar essa posição. Em 23 de março de 2019 centenas de milhares de pessoas (os organizadores estimaram mais de um milhão) participaram em uma passeata de protesto no centro de Londres clamando um segundo plebiscito sobre o Brexit. Enquanto o governo do UK afirmou que está decidido a horrar o resultado do plebiscito de 2016, algumas pessoas acreditavam que um novo plebiscito poderia ter um resultado diferente. Outras, incluindo alguns MPs, sustentavam e sustentam que a melhor forma de quebrar o atual impasse no Parlamento é devolver a matéria para a população britânica.
Separadamente, um abaixo-assinado online pelo cancelamento do Brexit recebeu mais de 6 milhões de assinaturas (e o número ainda sobe); colocando isso em contexto, esse número corresponde a mais de um terço do total de pessoas que votaram em favor da saída da UE no plebiscito de 2016 (aproximadamente, 17.4 milhões de pessoas votaram em favor da saída e 16.1 votaram contra). Inobstante, o governo do UK está decidido a seguir adiante com o Brexit. Em 26 de março de 2019 o governo respondeu a todos aqueles que assinaram o abaixo-assinado, afirmando: “Esse Governo não revogará o Artigo 50. Honraremos o resultado do plebiscito de 2016 e trabalharemos com o Parlamento para entregar um acordo que assegure a saída da União Europeia”.
O Parlamento do UK assume controle
Em uma manobra extraordinária e histórica, MPs assumiram o controle do Parlamento britânico em uma tentativa de influenciar o próximo passo do governo com relação ao Brexit. Geralmente o governo controla a House of Commons (a câmara superior do Parlamento britanico), possibilitando que o governo determine quais matérias serão debatidas e votadas. Todavia, em 25 de março de 2019, MPs votaram por assumir o controle das matérias do House of Commons como tentativa de alcançar um consenso sobre o próximo passo que o Reino Unido adotará.
Dois dias após, 27 de março de 2019, MPs discutiram e em seguida votaram várias alternativas diferentes para o Brexit. Os denominados “indicative votes” não vinculam o governo do Reino Unido, mas servem para indicar qual movimento teria o apoio da maioria dos MPs.
Os Membros do Partido Conservador – que é majoritário – poderiam votar livremente, sem obrigação de seguir orientação partidária. Havia, de toda forma, a expectativa que os parlamentares mais seniors se abstivessem de votar.
Os seguintes votos indicativos foram votados e todos rejeitados:
1 No-deal: Sair da UE em 12 de abril sem acordo;
2 Revogação do ‘Artigo 50’: abandonar o plano de sair da UE se nenhum acordo for alcançado até 12 de abril;
3 Plebiscito confirmatório: realizar um plebiscito para confirmar o acordo de saída aprovado pelo Parlamento;
4 União alfandegária: buscar uma união alfandegária de âmbito amplo do Reino Unido, com os demais 27 estados da Uniao Europeia;
5 EFTA e EEA: permanecer no mercado único europeu, mas sem formar uma união alfandegária com a Uniao Europeia
6 Mercado comum 2.0: permanecer no mercado único europeu e buscar uma união alfandegária temporária com a Uniao Europeia;
7 Plano alternativo do Partido Trabalhista: Negociar alterações no Acordo mais alinhadas com a sua posição de oposição; e
8 Acordo Standstill: Buscar um acordo de isenção de impostos com a União Europeia que duraria por dois anos, durante o qual o Reino Unido teria amplo acesso ao mercado europeu e contribuiria para o orçamento da União Europeia.
Também em 27 de março, Theresa May anunciou que iria renunciar ao cargo de Primeira Ministra se o Acordo fosse aprovado pelo Parlamento na terceira votação. Isso foi visto por muitos como uma concessão para agradar aqueles que não aprovavam a sua postura com relação ao Brexit, mas inobstante favoreceria um acordo ao invés do cenário no-deal / crashing out. Em qualquer hipótese, quando o Acordo foi votado pela terceira vez, em 29 de março de 2019, foi rejeitado por 58 votos. A
Em 1o de abril de 2019 os MPs realizaram uma segunda sessão de votos indicativos; dessa vez ele discutiram e votaram apenas quatro alternativas:
1 União alfandegária: buscar uma união alfandegária abrangendo todo o Reino Unido com a união europeia;
2 Mercado comum 2.0 permanecer no mercado único europeu e buscar uma união alfandegária temporária com a União Europeia;
3 Plebiscito confirmatório: realizar um plebiscito para ratificar qualquer acordo de saída avençado pelo Parlamento; e
4 Soberania do Parlamento: outorgar aos MPs poder para vetar a saída no-deal com o cancelamento do Brexit se a Uniao Europeia não conceder uma nova prorrogação pós 12 de abril.
Esperava-se que se os MPs tivessem menos alternativas para votarem, pelo menos uma poderia alcancar a maioria. Embora, o resultado nao fosse vinculativo, o apoio da maioria dos MPs a qualquer um (ou mais) dos resultados indicaria um possível caminho para o governo do Reino Unido. Contudo, mais uma vez, nenhuma das alternativas alcancou a maioria. A alternativa 3, isso é o plebiscito confirmatório, obteve o maior número de votos (280 a favor e 292 contra). Alguns políticos e comentaristas responderam ao novo fracasso do Parlamento em alcançar um consenso, clamando por uma Eleição Geral, mas isso ainda parece improvável, em parte porque nem o Partido Conservador do governo e nem o Partido Trabalhista tem recursos suficientes para brigarem em uma eleição nacional.
Onde estamos agora?
Em 3 de março de 2019, a entao Primeira Ministra May convidou o líder do partido da oposição (o Partido Trabalhista), Jeremy Corbyn, para tratativas interpartidárias visando alcancar um compromisso diante do Parlamento, que poderia comandar o apoio de uma maioria dos MPs a posicao apresentada pelo governo. Conversas ainda estão em curso entre equipes de negociadores dos partidos do governo (Partido Conservador) e da oposição (Partido Trabalhista). A Primeira Ministra disse no início dessas tratativas que qualquer compromisso deveria incluir o Acordo de Saída, e isso tem sido um ponto de entrave nas discussões. Resta observar se um acordo de compromisso será alcançado.
Em 5 de abril de 2019 a Primeira Ministra May escreveu para a Uniao Europeia solicitando uma nova prorrogação até 30 de junho de 2019. Obviamente, pendendo atrás disso estava a expiração do Brexit em 12 de abril. Embora empresas tem sido alertadas para se preparem para o risco do no-deal, muitos políticos e comentaristas politicos continuam preocupados com a possibilidade de que os preparativos dos governos e empresas não tenham sido suficientes. A maior preocupação que e o Brexit gere um prejuízo substancial ao comércio internacional entre o Reino Unido e a União Europeia, com efeitos subsequentes sobre muitas empresas e consumidores britânicos e europeus.
Uma conferência da União Europeia foi realizada em 10 de abril de 2019. A então Primeira Ministra May teve a oportunidade de defender o pedido de nova prorrogação até 30 de junho. Alguns dos líderes dos 27 estados da UE, inclusive a Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, apoiram um prazo de prorrogação bem maior (até um ano) mas concordaram em prorrogar o prazo do Brexit até 31 de outubro de 2019 (o que será abordado em futuro artigo). Os líderes do bloco europeu também esclareceram que não estão dispostos a revisarem o Acordo de Saída e o Reino Unido poderá sair antes de 31 de outubro se concordar com ratificar o Acordo. Resta observar quais serão os próximos passos do Reino Unido. Após a prorrogação até 31 de outubro ter sido anunciada, o Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, afirmou que a sua mensagem para o povo britânico era “Por favor, não desperdiçam este tempo”.
Em 24 de maio a Primeira Ministra May renuniciou ao cargo. Só o tempo dirá como o novo Primeiro Ministro, Boris Johnson, conduzirá esse tema.
Notas_______________________________
1 Tendo em vista a velocidade das discussões sobre o tema é possível que algumas informações aqui apresentadas tenham sofrido modificações até a data da publicação deste artigo.
2 Publicado na edição de número 223, março de 2019
3 European Free Trade Association (EFTA). Associação Europeia de Livre Comércio.
4 European Economic Area (EEA). Área Econômica Europeia.