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Atuação da Defensoria Pública em prol do sistema educacional inclusivo: Breves reflexões

6 de setembro de 2019

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Dia 21 de setembro é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, momento propenso para refletirmos sobre o processo de inclusão dessas pessoas na sociedade em que vivemos, assim como o papel da Defensoria Pública diante dessa realidade.

Ressalte-se que o modelo social de abordagem da deficiência adotado pelo Brasil – tanto no plano interno como no plano externo – prega a transformação social como fator primordial para a superação da deficiência, já que a deficiência deixa de ser uma característica individual da pessoa para se tornar uma característica da sociedade inapta para incluí-la. Ou seja, não é a pessoa com deficiência que tem que se “normalizar” para frequentar os diversos setores sociais, pelo contrário, é a sociedade que precisa se adaptar para poder receber todos os seus cidadãos com as características e peculiaridades que eles possuem.

Máculas ultrapassadas como a vitimização, a estigmatização, a incapacidade e a fragilidade ainda pairam sobre esse grupo de pessoas, sendo primordial eliminá-las através de condutas que preguem a solidariedade e objetivem a emancipação da pessoa com deficiência. E a melhor forma de fazer com que esse quadro se altere é conceder a essas pessoas aquilo que lhes pertencem da forma mais básica, quais sejam, a possibilidade de gozarem efetivamente os seus direitos, fazendo com que os mesmos deixem de ser apenas normas previstas em legislações para se tornarem prática usual no dia a dia social.    

Dentre todos os direitos fundamentais de que esse grupo de pessoas é titular, chama-se atenção, no presente artigo, para o direito à educação, já que o investimento
no mesmo é essencial para que a pessoa com deficiência possa ter o maior grau de autonomia possível em sua vida adulta. Portanto, acreditamos que o sistema educacional inclusivo é o um dos principais caminhos de transformação dessa realidade ainda tão exclusiva.

O sistema educacional inclusivo encontra-se expressamente previsto no artigo 208, inciso III da Constituição Federal Brasileira, no artigo 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e nos artigos 27 a 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Outros diplomas legais nacionais e internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que, igualmente, embasam o direito à educação de crianças e adolescentes com deficiência, também merecem destaque: o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais de 1948, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, a Convenção contra a Discriminação no Campo do Ensino de 1960, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966, o Protocolo de San Salvador de 1988, a Declaração Mundial de Educação para Todos de 1994 e a Declaração de Salamanca de 1994.

Para a efetivação do direito ao sistema educacional inclusivo previsto nas legislações acima mencionadas a Defensoria Pública exerce papel fundamental, eis que é uma Instituição Constitucional que tem, dentre outros objetivos, a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais e a prevalência e efetividade dos direitos humanos.

No âmbito de atuação da Defensoria Pública em prol da primazia da dignidade da pessoa humana, inclui-se a tutela do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas necessárias à subsistência digna e indispensáveis aos desfrutes dos direitos em geral. O acesso à educação se inclui dentre esses direitos básicos.

Já no âmbito de atuação da Defensoria Pública para a redução das desigualdades sociais, muitas são as causas da pobreza e variados são os motivos que contribuem para a manutenção das condições de miserabilidade, sendo indiscutível o protagonismo que o acesso à educação assume diante de qualquer tentativa de transformação social que se pretende duradoura e profunda.

No que se refere à atuação da Defensoria Pública para a efetividade dos direitos humanos, consta a função da Instituição de promover a inclusão de classes que historicamente permaneceram excluídas e marginalizadas, contribuindo para o combate às violações de direitos humanos. E, a ausência de um ensino inclusivo adequado com a consequente não observância do direito à educação de crianças e adolescentes com deficiência constitui grave violação de direitos humanos.

Além dos objetivos acima mencionados, a Defensoria Pública possui, dentre outras funções institucionais, a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança, do adolescente e das pessoas com deficiência, o que reafirma a afinidade entre a sua atuação e o tema em questão.

Portanto, é indiscutível que a Defensoria Pública, enquanto Instituição Constitucional fomentadora dos direitos humanos, não só pode, mas deve atuar para auxiliar na implementação de medidas concretas de inclusão escolar de crianças e adolescentes com deficiência.

Tal atuação poderá se dar no âmbito judicial – principalmente através da tutela coletiva – e também no âmbito extrajudicial, sempre de forma estratégica objetivando a máxima efetividade dos resultados pretendidos.

Para tal, medidas de aproximação com a sociedade civil são importantes, pois dessa forma a Defensoria irá conseguir detectar melhor as angústias enfrentadas por essas pessoas e os obstáculos que precisam ser superados para o gozo de tais direitos em determinada comunidade.

Dentro desse contexto merece destaque a realização de rodas de conversa com educadores e pais de alunos com deficiência, pois nesse momento eles poderão relatar as principais dificuldades práticas com as quais se deparam, além de formarem uma rede de solidariedade entre si. Para uma pessoa que enfrenta um problema angustiante, é importante poder contar com o apoio de uma Instituição, assim como perceber que há outras pessoas em situações similares com as quais poderão trocar ideais e experiências.

Ressalte-se, ainda, a celebração de convênios e parcerias com os órgãos de assistência social da rede para os respectivos encaminhamentos das famílias assistidas, objetivando sempre o atendimento interdisciplinar para que a criança e o adolescente tenham condições de frequentar a escola com todo o apoio necessário, já que a efetivação da educação depende da observância de aspectos como a saúde, a mobilidade urbana, dentre outros.

O investimento na educação em direitos também se faz importante para o esclarecimento do corpo escolar, para o combate ao bullying e para a eliminação gradativa do preconceito. Nesse sentido é possível citar a confecção de cartilhas a serem distribuídas nas escolas, assim como palestras a serem ministradas pelos (as) Defensores (as) dentro do ambiente escolar.

O diálogo constante com as respectivas Secretarias de Educação, órgãos de proteção à pessoa com deficiência e órgão de proteção à criança e ao adolescente também são relevantes para a melhor atuação da Instituição, que poderá obter estatísticas e dados relevantes sobre a realidade do ensino inclusivo local e sobre as possibilidades concretas de atuação do Poder Público.

A atuação em conjunto com o Ministério Público também é uma possibilidade a ser pensada já que ambas as instituições possuem legitimidade para atuação na tutela coletiva e podem somar esforços no enfrentamento da situação.

Inúmeras outras práticas podem ser adotadas pelas Defensorias Públicas brasileiras para a concretização do direito fundamental à educação inclusiva. Para tal, como dito alhures, se faz necessário o estudo da realidade local por meio da aproximação com a sociedade civil.

Defensoras e Defensores são, indiscutivelmente, instrumentos de transformação social. Que tenham sempre a força de lutar por um sistema educacional efetivamente inclusivo, onde a diversidade seja algo a ser celebrado (e não eliminado), já que é a convivência com a diferença que nos traz crescimento e amadurecimento pessoal.