As dimensões do direito contemporâneo luso-brasileiro e a crise mundial

31 de maio de 2009

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NOTA DO EDITOR
A Revista Justiça & Cidadania considera-se engalanada com a homenagem que a Universidade do Minho, uma das maiores universidades portuguesas, prestou, pela Cátedra Prof. Carlos Lloyd Braga, no dia 22 de abril último, ao eminente jurista Ives Gandra da Silva Martins, exponencial membro do Conselho Editorial da nossa publicação.

A Cátedra Prof. Carlos Lloyd Braga foi criada em homenagem ao primeiro reitor da Universidade, patrono da fundação e ex-ministro da Educação em Portugal, e é atribuída anualmente a uma personalidade de renome internacional que, em sessão pública, profere uma aula sobre um tema atual e significativo, cultural e cientificamente, que neste ano abordou “As dimensões do Direito Contemporâneo Luso-Brasileiro e a Crise Mundial”.

As reverências com que a Universidade do Minho reconhe­ceu o consagrado homenageado corroboram o mérito que o Professor Ives Gandra desfruta internacionalmente com sua cultura e seu elevado conhecimento jurídico. Sua magnífica palestra, que nos orgulhamos de publicar, enriquece mais uma vez as páginas da Revista, além de constituir para os nossos prezados e ilustres leitores uma extraordinária aula sobre as dimensões do direito contemporâneo.
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O século XXI deverá conhecer uma profunda revolução nos clássicos conceitos jurídicos, não só a partir de uma visão do Direito Constitucional à luz da soberania das nações, mas também do Direito supranacional, que vai se universalizando pelo prisma da formação dos blocos regionais. Basta ter em mira o denominado “direito de ingerência”, que as nações mais desenvolvidas, em nome de um pretendido consenso de representatividade do concerto das nações, outorgam-se para intervir pontualmente em outros países, como ocorreu, na década passada e na atual, no Iraque, Afeganistão, Kosovo, e Haiti; intervenções estas de maior visibilidade e repercussão.

A crise econômica mundial, que abalou o mundo em 2008 -— cujos reflexos negativos ainda se fazem duramente sentir e deverão continuar a ser sentidos nos próximos trimestres, nos países desenvolvidos e também nos países emergentes —, serviu apenas para mostrar que a alavanca do desenvolvimento mundial, se não concorreu para facilitar a redução de tensões entre os povos e os países, servirá, de rigor e entretanto, para uma reflexão maior e para a conscientização quanto à necessidade de buscarmos soluções jurídicas, que transcendam às clássicas formulações do Direito estável e nacional, do passado.

É bem verdade que, após a 2a Guerra Mundial, os primeiros organismos supranacionais de atuação efetiva foram surgindo, como a ONU, com os órgãos a ela ligados; FAO, Unesco, etc.; o FMI; o Banco Mundial; a própria OCDE e, mais recentemente, com assunção das principais atribuições do GATT, a OMC; além do modelo europeu, hoje compaginando na Comunidade vinte e sete nações, dotado de pelo menos seis órgãos de administração jurídica além fronteiras, que servem de modelo para o mundo (Parlamento, Comissão, Conselho, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e Banco Central). Por outro lado, formam-se blocos de menor expressão, como o Mercosul, o pacto Andino e outros grupos regionais, que começam a dar seus primeiros passos para abandonarem as características de mera zona de livre comércio e transformarem-se em autênticas uniões aduaneiras, objetivando um futuro mercado comum.

Estes primeiros passos, de extrema relevância, nos últimos sessenta anos, não representam senão o início de uma escalada que deverá, a meu ver, desembocar, até o fim do século, num Estado Universal, como defendi no livro escrito em 1977, “O Estado de Direito e o Direito do Estado”.

Não desconheço, todavia, as dificuldades para que isto ocorra, decorrentes das diferenças do estágio de civilização em que se encontra cada país, de costumes, cultura, conflitos de natureza religiosa e social, nacionalismo predominante e fanatismos, que levam ao radicalismo e ao terrorismo.

O certo é que estes problemas ai estão à espera de solução.

Quando da invasão da Europa pelos mouros, em 711, e que durou até 1492, quando foi batido o último reduto de Granada, não se vislumbrava, durante seus primeiros séculos, uma solução europeia e não moura para a região invadida. O que vale dizer: sessenta anos de novas experiências convivenciais, de um comunitarismo universal, nada obstante os choques, inevitáveis em qualquer processo de implantação, é muito pouco tempo, na busca de novas alternativas para a integração da humanidade, na aldeia global em que o mundo se transformou.

Thomas Friedman, em seu livro “O mundo é plano”, demonstra como o mundo se estreitou na economia e no mercado de empregos, sendo hoje o custo/benefício a alavanca permanente desta integração. Principalmente, na área de serviços ela permite que pessoas no mundo inteiro prestem serviços entre si, sem que os usuários tenham qualquer noção de quem os está prestando. Quantas declarações de imposto de renda, nos Estados Unidos, são feitas por competentes e menos onerosos especialistas indianos, que desconhecem os contribuintes — chegam-lhes os números e não os nomes — e sem que os declarantes saibam quem as elaborou.

O mundo, portanto, que tanto evolui nesta integração supranacional, com a consequente e necessária formulação jurídica, deverá ultrapassar novas barreiras, nos próximos noventa anos, ou seja, até o fim do século, aprendendo com a crise atual e aproveitando-a para melhorar os instrumentos de integração.

Algumas das exigências regulatórias são universais e, embora timidamente adotadas, por variados motivos, inclusive a falta de pronta adesão dos países mais poderosos, deverão ser implementadas como condição de sobrevivência mundial.

As questões ambientais estão a exigir rápido entrosamento entre todas as nações — principalmente os Estados Unidos, reticentes quanto ao Protocolo de Kyoto —, visto que o aquecimento global, tal qual um câncer recém-detectado e no início, se não for combatido com medidas urgentes, universais e mediante sanções efetivas, também de âmbito geral, poderá gerar, ainda nos próximos 50 anos, colapsos incomensuravelmente superiores aos impactos das crises econômicas, políticas ou das guerras regionais, que continuam a macular a evolução da humanidade.

A necessidade, neste campo, da implantação de regras jurídicas de preservação ambiental de caráter mundial deve suscitar o interesse das nações, principalmente após a deterioração, ano após ano, da qualidade de vida, o surgimento de tormentas e cataclismos naturais e as alterações incontroláveis do clima, com reflexo negativo em toda a produção agropecuária, como também na própria vida dos centros urbanos.

As medidas são urgentes, todas as nações devendo se voltar para a questão, cuja regulação jurídica deve ser universal, com aprovação, pelo direito local de cada uma, do que for decidido no consenso das nações, como forma de preservação do meio ambiente.

À evidência, as nações que têm um custo maior de preservação ambiental, principalmente se emergentes, deverão poder partilhá-lo com as nações mais desenvolvidas, mediante, por exemplo, um Fundo compensatório que permitiria um real combate às causas de degradação do meio ambiente.

Não creio que, de imediato, isto seja possível, visto que o câncer da deterioração ambiental, do aquecimento global, começa apenas a ser detectado. Mas, não tenho dúvidas: quando a gravidade da corrosão do meio ambiente for percebida por todos os povos do mundo, todos os países serão forçados a participar de uma solução global.

A urgência de uma regulação universal para a preservação do meio ambiente além do tímido Protocolo de Kyoto, não é o único problema a exigir a conformação de um direito supranacional.

Outra questão que está a demandar regulação mundial mais precisa é a que envolve o comércio internacional, o mercado de capitais e o sistema financeiro.

A crise de 1929 permitiu o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle das crises, com a multiplicação dos bancos centrais, em todo o mundo, assim como a criação e o fortalecimento do FMI, do Banco Mundial, da OMC e da OCDE, com variado elenco de medidas possíveis para solução de controvérsias.

Os primeiro e segundo choques do petróleo, na década de 70, levaram as nações desenvolvidas ao retorno às soluções protecionistas no comércio internacional, após a Rodada de Tókio, em 1979, concomitantemente à reunião da OPEP, que estabeleceu o aumento do preço do petróleo (Viena). Na época, tal comportamento contou com a tolerância do GATT, para com as nações desenvolvidas que o adotaram, a partir dos dois eventos. As nações emergentes, todavia, altamente endividadas ainda por decorrência do primeiro choque e dependendo do fortalecimento dos mercados externos que se fecharam, despencaram. A década de 80 foi considerada uma década perdida, com inflação e crescimento pífio para a maioria das nações, inclusive com a declaração das moratórias mexicana (82) e brasileira (86).

A moratória brasileira foi mais consistente, porque, não só continuou o país pagando os juros da dívida, como se comprometeu a pagar o principal em prazo certo. O Brasil, no curso daquela própria década e na seguinte, reduziu sua dependência externa a valores inexpressivos para a dimensão de sua economia, o que não ocorreu com a Argentina, ao decretar a moratória do início do século XXI, cujos reflexos perduram até hoje.

O certo é que aquela crise e as posteriores, das décadas de 80 e 90, não afetaram as grandes economias. A queda do Muro de Berlim e a globalização da economia permitiram que as nações emergentes se recuperassem, vencendo, inclusive, o fantasma da inflação, com crescimento superior ao das nações desenvolvidas.

Algumas nações emergentes ganharam especial destaque, entre elas o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, após o colapso do império soviético.

A crise de 2008, todavia, teve globalização semelhante à crise de 29, com a diferença de que os mecanismos de consulta e atuação conjunta das nações permitiram que seus efeitos, embora terrivelmente impactantes, fossem menores que os de 1929.

O diferencial foi a maior resistência à recessão, nos países emergentes, que, a meu ver, por terem um padrão de vida menor que o das nações civilizadas, adaptaram-se melhor à nova realidade.

De qualquer forma, revelou-se que o mercado de capitais não encontrou ainda uma regulação capaz de evitar as grandes oscilações das bolsas e do sistema financeiro. Este último, mais preocupado com o aspecto formal dos créditos das instituições financeiras, descuidou-se da verificação de sua qualidade sobre permitir uma multiplicação de operações no vazio, a ponto de  transformar-se num mercado virtual de papéis, sem lastro.

Creio que será mais fácil a correção do sistema financeiro, desde que o FMI e os bancos centrais do mundo inteiro se orientem para adoção de normas mais rígidas quanto à multiplicação da moeda virtual e um controle direto e eficiente na qualidade dos papéis em que se lastreia o sistema.

Mais difícil será a operacionalidade do mercado de capitais, em que o jogo é inerente a sua existência e em que os operadores do mercado têm mais força que os governos.

Creio que seria desejável a adoção de regras também mais rígidas, no caso de oscilações, ocorrendo intervenção, por exemplo, sempre que os papéis experimentem, em um dia, oscilação superior a um determinado percentual não muito elevado, devendo ser retirados do mercado por período mais longo (1 ou 2 semanas), não como hoje, em que se suspende o prazo de negociação por um breve período. Dessa forma tornar-se-ia o jogo — que sempre existirá — um pouco mais controlável.

Estou convencido de que uma regra mundial de controle mais efetivo é necessária, sendo a aplicação de um direito supranacional nitidamente mais abrangente, mais interventiva e mais universal.

O meio ambiente e o direcionamento de investimentos são dois campos em que a integração mundial, tornando o mundo menor, faz-se necessária. E a crise, certamente, levará a soluções jurídicas universais mais abrangentes, entre elas, a de maior controle jurisdicional.

A questão da integração entre as nações será passo decisivo para a criação de um Estado Universal ou uma confederação de países, semelhantes à União Europeia, de natureza global.

À evidência, tais problemas somente poderão ser superados com o diálogo à exaustão e jamais com represálias de idêntica violência. É o caso do islamismo, pluridividido, cujas correntes mais radicais ressuscitam lideranças do século VII e VIII — do tempo da invasão da Europa —, sustentam que os poderes político e religioso se confundem e preconizam a eliminação daqueles que consideram infiéis, com atos de terrorismo espalhados por todo o mundo, no estilo de Bin Laden.

Essa visão político-religiosa, para a qual o terrorismo é uma forma de atingir a vida eterna em grau de santidade, ao ponto de as “bombas-humanas” serem permanente instrumento de ataques inesperados, é um tipo de marginalidade que não pode ser combatida pelos métodos clássicos, utilizados contra marginais que pretendem conservar a própria vida. No fanatismo religioso, tal ataque à humanidade não-mulçumana faz-se por convicção. Quando o terrorista está disposto a sacrificar a própria vida, é  porque suas convicções são irremovíveis; ele age na certeza de que faz o certo e que Alá o protege, incentiva e lhe dará uma vida eterna de bem-aventuranças. Conter o terrorismo político-religioso em linha armada e ameaça de pressões, inclusive pena de morte, nada significa.

Tem havido, todavia, evolução nos próprios costumes dos países sujeitos à disciplina político-jurídica religiosa islâmica.

As mulheres, antes condenadas a secundário papel, hoje cursam universidades e adquirem conhecimento e força que as levará, certamente, a conquistas semelhantes às obtidas pelas mulheres ocidentais nos séculos XIX e XX. Tal nivelação levará, no futuro, uma sociedade de homens a conviver em igualdade de condições com as mulheres, como ocorre no Ocidente, e à compreensão, como no cristianismo, de que os dois planos (político e religioso) não se confundem, a não ser na busca de valores éticos, matéria em que não há imposição possível. O futuro Estado laico não será, necessariamente, ateu, mas um Estado em que convivem os que acreditam e os que não acreditam em Deus, procurando criar uma estrutura jurídico-política capaz de dar, como dizia Bentham, a maior felicidade possível ao maior número de pessoas.

Os focos de intolerância político-religiosa permanecem ainda, de rigor, no Tibete chinês, na Índia, no próximo Oriente, na Irlanda e na Inglaterra, Paquistão, Índia, mas estou convencido, nada obstante os incidentes mais graves que ocorrem ou possam ocorrer -— como, recentemente, a questão palestina —, que até o fim do século clara ficará a sábia afirmação de Cristo, ao responder aos fariseus: “Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que a Deus pertence”. E a regulação jurídica internacional tenderá, a meu ver, a consagrar o princípio.

O problema da pobreza e das diferenças étnicas também permanece, no início do século, mas, num Estado universal, tenderão a merecer solução melhor.

Muito se falou a respeito do holocausto, considerado crime contra a humanidade e contra um povo em especial, uma das chagas na história da humanidade. Nos dias que correm, todavia, a denominada “purificação étnica” ocorre em diversas regiões da África, às vistas insensíveis da comunidade internacional, não interessada, ainda, em intervir no continente africano, como o fez na Europa e no Oriente próximo.

O próprio desenvolvimento lá chegará, não apenas pelas armas  que tais povos já obtiveram, mas pelo conhecimento. Creio que, nada obstante a criminosa omissão das nações desenvolvidas, haverá redução, nas próximas décadas, da violência, com a evolução desse continente de potenciais riquezas capazes de torná-lo, no futuro, um dos mais prósperos, na medida em que se detecta o esgotamento das riquezas das nações mais desenvolvidas, no potencial ofertado pela natureza.

Em outras palavras, a evolução cultural de todos os povos deverá permitir um diálogo mais sério pela sobrevivência da Terra.

Ora, à medida e na rapidez que a evolução tecnológica torna a Terra cada vez menor e os povos cada vez mais próximos, a busca de uma universalização semelhante à experiência vivida pela comunidade europeia impor-se-á à humanidade, talvez com a criação de uma efetiva confederação de nações, com organismos internacionais semelhantes aos da União Europeia, mas com poder de atuação mais efetivo que a UE oferta. A integração de todas as nações, numa confederação desta espécie, exigirá vocação e convivência mais harmônica, em que o direito de ingerência ganhará outro perfil, mediante forças de segurança para a integração e a paz entre as nações.

Ganhará, pois, especial relevância uma confederação forte e convivencial, com forças armadas avançadas modernamente equipadas para intervir com eficácia e eficiência em qualquer parte da confederação.

A ONU, pois, seria substituída por uma autêntica confederação de países, com uma autonomia quase soberana, ou uma soberania com ares de autonomia, vinculadas, todas as nações, a um poder central, como ocorre, nas Federações, com os Estados, Províncias ou Cantões, que possuem autonomia vinculada a um governo centralizador.

O princípio da solidariedade universal a ser juridicizado é a única forma, que, no tempo, permitirá a superação de questões de desinteligências e desintegrações, o que implicará, necessariamente, aceitação da maneira de ser de cada povo e de cada cultura, com seus valores preservados.

Ódio gera ódio. Contra o terrorismo não profissional, mas por convicção, a arma não é adotar reação idêntica. O diálogo é a única forma. Lembro-me de um conto russo que li, quando menino, de sete cavaleiros invencíveis que um dia se reuniram para comemorar sua invencibilidade. Surgiu, todavia, um cavaleiro andante para desafiá-los. De um só golpe um dos sete invencíveis dividiu-o, mas, para sua surpresa, do cavaleiro cortado ao meio surgiram dois, que, também divididos de um só golpe, transformaram-se em quatro. Todos os cavaleiros invencíveis decidiram, então, combater os quatro, que foram se multiplicando a cada divisão até que, após sete dias de lutas, os sete cavaleiros invencíveis foram derrotados pela multiplicação de cavaleiros andantes nascidos de cada derrota individual.

Temo que a luta armada contra o terrorismo derivado do fanatismo possa levar a uma multiplicação idêntica. Temo que Israel não esteja percebendo que, estando cercado de islâmicos por todos os lados, a única solução possível é o diálogo à exaustão para aprenderem a conviver. Estou convencido de que, até o fim do século, a questão será solucionada, mas até lá, enquanto para cada ação houver idêntica reação, teremos muita instabilidade, dor e sofrimento. A estes problemas acrescentar-se-á o fantasma do desemprego, originado por crises e pela substituição do homem pela máquina. Nenhuma legislação nacional consegue equacioná-lo, pois o emprego é determinado pelo mercado e a competitividade termina por ter no fator preço elemento relevante. Como a máquina não faz greve, não tem direitos, não tira férias e trabalha sem reclamar, o desemprego crescerá. Um Estado Universal poderá melhor regular a oferta de emprego e instituir uma única legislação laboral.

Creio numa confederação mundial até o fim do século, mais forte que a União Europeia e com mais poder de intervenção para conduzir a humanidade, com todos os povos sendo representados no Parlamento global e nos órgãos diretivos da instituição política máxima, com regulação supra-constitucional.

O gênio de Gene Rodenberry, em seu “Jornadas nas Estrelas”, criou uma federação que rendeu a edição de mais de setecentos episódios e dez filmes de longa metragem. Como regra primeira, imposta aos comandantes das naves interestrelares, estava a de não intervir na maneira de ser de cada povo, buscando sua integração à federação, em todas as galáxias, com respeito a seus costumes.

Creio que o mundo, que avançou tecnologicamente com as especulações de ficção científica de um Verne, de um Da Vinci, de um Wells[1], poderá muito aprender com este gênio da ficção científica do cinema. Estou convencido de que, como os sonhos verneanos foram se transformando em realidade, assim também, um dia, uma confederação dos países permitirá o surgimento de um Estado universal, onde, com maior facilidade, se eliminarão os conflitos. Não no ideal Kantiano de uma paz perpétua, através da  democracia, mas de uma integração de todos os povos, num regime jurídico universal e abrangente, que respeite a maneira de ser de cada povo.

E, neste particular, a maneira de ser da civilização lusíada, em que a integração foi sempre o elemento de maior presença, poderá servir de exemplo. Haja vista que, em idêntico espaço americano, conseguiu manter um país único, com variadas formas de cultura, ao contrário da América Espanhola, que se pulverizou em um número enorme de nações. E a prova maior reside numa integração consideravelmente mais relevante entre as diversas raças no Brasil do que em outras nações, ao ponto de todas as culturas que se somaram posteriormente à portuguesa lá conviverem em perfeita harmonia, inclusive judeus e muçulmanos, que, muitas vezes, reúnem-se em cerimônias comuns, numa demonstração de que culturas diferentes podem viver harmonicamente.

Adriano Moreira, no 1o Congresso das Comunidades de Língua Portuguesa, em 1964, afirmou que há uma maneira de ser diferente do português, na sua presença no mundo. E esta maneira de ser, que permitiu a criação de uma nação continental, é aquela que, talvez, possa servir de exemplo para o mundo futuro, na conformação de um Estado Universal lastreado na solidariedade entre os povos.


[1] Júlio Verne (Vinte mil léguas submarinas; Robur, o conquistador; O castelo dos Cárpatos); Leonardo Da Vinci com os projetos dos aparelhos de voo e George Wells com “A guerra dos mundos” e “A máquina do tempo”.