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A reforma do judiciário no Senado Federal

5 de janeiro de 2002

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O projeto de Reforma do Judiciário ora na comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal relatado pelo Senador Bernardo Cabral, deverá ser discutido e votado no inicio de 2002.

Revelando que no Brasil a relação atual e de um juiz para cada 30 mil habitantes, o relator afirma que 30% dos cargos de juiz não estão providos e aproximadamente 26 % das Varas Federais criadas recentemente estão vazias.

Ainda em seu relatório Bernardo Cabral aponta as causas da crise no Judiciário, a deficiência do ensino jurídico no Pais, a deficiência do sistema recursal brasileiro, a insuficiência numérica dos juízes, a deficiência da produção jurídico-normativa, o excesso de privilégios processuais dos entes públicos, os abusos processuais da advocacia publica e a falência judiciária.

E, conclui o Senador: “A proposta de emenda a Constituição n° 29 de 2000, que ora tramita neste Senado Federal e uma tentativa aberta e histórica de se colocar o Judiciário em posi9ao que lhe permita cumprir a sua missão constitucional. E com esse intuito que iniciamos o exame, primeiro, do texto que nos chegou, aprovado pela Câmara dos Deputados, fazendo-o de maneira comparativa com o quadro que consta na Constituição Federal”.

“A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 ofereceu, e seus membros e o Poder Judiciário desperdiçaram, uma oportunidade histórica de correção dos conhecidos e decantados defeitos estruturais, equívocos e excessos processuais do Judiciário brasileiro, alguns originados na Constituição de 1934, como a inexistência de efeito vinculante em decisões sobre a constitucionalidade de leis e atos normativos.

A carta de 1934, como se sabe, decidiu pelo repudio ao sistema norte-americano do stare decisis, com as variáveis do distinguishing e do overruling, numa opção que iria cobrar do modele brasileiro então desenhado
um pesado tributo, já que as premissas assentadas a partir do modelo de controle de constitucionalidade iriam alastrar-se e contaminar o funcionamento dos Tribunais Superiores.

Na Assembléia Nacional Constituinte, não obstante o registro justo da existência de movimentos fortes no sentido de uma revisão do nosso modelo judiciário – e a historia iria fazer justiça, em curtíssimo espaço de tempo, aos diagnósticos e prognósticos que sustentavam as teses revisionistas então brandidas -, a opção foi conservadora, e manteve as raízes, os mecanismos e as colunas centrais do Poder Judiciário, e, com elas, as sementes das cepas robustas que iriam gerar o caos que tomou conta do sistema brasileiro de prestação jurisdicional.

A perda dessa oportunidade histórica de reengenharia institucional do Poder Judiciário mereceu inúmeros registros. Dentre eles, e de se colacionar,pela pertinência e agudeza o da hoje Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, a época desse diagnostico Juíza do Tribunal Regional da 1° Região:

O Judiciário enfrentou a Constituinte sem real proposta de reforma, com lobbies eminentemente corporativos e ate pueris, perdendo a grande oportunidade de realizar mudança estrutural.

O descompasso institucional colocou o Poder Judiciário, nestes últimos dez anos, em evidencia, não havendo um só dia em que a mídia não leve aos brasileiros uma nova faceta do seu mau funcionamento.

Na atualidade, esta a magistratura no cadafalso da opinião publica, com a instituição ‘justiça’ na boca de inescrupulosos aproveitadores, especialmente daqueles que, por ignorância, são atiçados pela mídia. Os juristas não tem soluções plausíveis. Os profissionais de Direito travam verdadeira guerra na preservação do mercado de trabalho, e os jurisdicionados, em perplexidade, amargam uma irracional espera na resposta do Estado – juiz. (Revista da OAB,n° 67, 1998.p.11).

Com a negativa as teses reformistas,as deficiências já existentes foram especialmente agravadas, e outras, novas,trazidas a luz.

Para muitos, como o Ministro Pádua Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, muitas dessas novas deficiências vieram a tona por conta do despreparo do Judiciário. Pouco acionada nos anos de regime militar, a Justiça deixou de acompanhar o desenvolvimento da sociedade e não estava preparada para a demanda reprimida que hoje se verifica (Jornal do Senado, n° 1171 ,2 de outubro de 2000,p.4.

Mas outras causas enfileiram-se a essa. Uma das primeiras a serem lembradas e a excessiva litigiosidade do aparelho estatal, classificada como desvio ético pelo Ministro Costa Leite, Presidente do Superior Tribunal de Justiça (audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, em 8 de agosto de 2001). Também é citada insistentemente a completa superação do modele processual, principalmente no que toca aos sistemas recursais, tese versada pelo Prof. Dr. Ives Gandra Martins, pelo Ministro Marco Aurélio, Presidente do Supremo Tribunal Federal, e, novamente, pelo Ministro Costa Leite na audiência publica da CCJC referida, todos propugnando pela sua reforma e pela utilização imediata da legislação infraconstitucional para veicular 0 novo modelo, sem 0 que concordam, a reforma do Judiciário não atingira os seus objetivos.

As causas da crise do Judiciário

Em abordagem ainda preliminar, as origens dos problemas do Poder Judiciário são situadas em diversos pontos, num expectro que vai do despreparo técnico de juízes as deficiências na elaboração das normas jurídicas, passando pelo desaparelhamento do Judiciário, pela pratica de um sistema abusivo de recursos e pelo excessivo apego ao formalismo,num devotamento a vertente romanista do Direito que já deveria estar vencido.

Para o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, as principais causas da lentidão da Justiça são o número deficiente de juízes, a forma inadequada de seu recrutamento, o desaparelhamento do apoio administrativo no 1 ° grau, o formalismo excessivo é o sistema irracional de recursos (Caderno de Estudos In Verbis, n° 10,03/98).

A sistematização das causas da crise do Judiciário

Uma das sistematizações foi elaborada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política da Revista dos Tribunais, n° 27,1999,p.30) . Esse estudioso distribui o problema do Judiciário em três grupos: as causas estruturais, as causas funcionais e as causas individuais, a saber:

Estruturais: sistema judiciário complexo e obsoleto: ha muitas justiças especializadas, muitas instancias (quatro) e inúmeros tribunais; inexistência de uma Corte Constitucional : e necessário um tribunal exclusivamente constitucional, principalmente num pais em que tudo se constitucionalizou; morosidade e deficiência espacial; ha a necessidade de proximidade e de celeridade de atuação dos órgãos de primeira instancia e do aperfeiçoamento dos sistemas de justiça alternativa e para judicialidade; deficiência de controles : falta de cumprimento de prazos, de assiduidade e de residência de titulares, nas respectivas comarcas. Controle do Judiciário: necessidade de um sistema nacional de controle que superasse o corporativismo sem expor o Judiciário a politização; numero insuficiente de juízes; a proporção atual e de um juiz por 25.000 habitantes. A razão em países desenvolvidos e de um juiz por 5.000 habitantes. Necessidade de incentivo para atrair as legitimas vocações para preencher o impressionante numero de cargos vacantes na 1° Instância. Funcionais: impropriedade das leis: abundancia de leis, inadequação aos fatos que pretendem reger e ma confecção das leis; complicação procedimental : predominância do hermetismo, processualística sobrevalorizada, excesso de meandros técnicos e sistema irracional de recursos; deficiência no sistema de provocação: descaso do Poder Público na motivação, seleção e aperfeiçoamento dos membros das funções essenciais a Justiça, notadamente nas defensorias publicas. Individuais: deterioração da formação acadêmica do bacharel: proliferação de faculdades sem bom nível cientifico. Currículos deficientes nas matérias de Direito Publico. Falta de adequado rigor nos exames de ordem; carência na formação especifica dos magistrados: seleção para a carreira através de concursos ao ingresso nas escolas de magistratura. Promoções condicionadas a cursos de reciclagem ou titulação em pós-graduação.

Carlos Aureliano Motta de Souza, em recente trabalho (O Papel Constitucional do STF : uma nova aproximação sobre o efeito vinculante, Brasília Jurídica 2000), também percorre e classifica as causas da crise do Judiciário. Seriam elas: Causas operacionais: a ampliação do campo temático da Constitucional, com a consequente ampliação do leque de proteção ao cidadão, encorajaram o individuo a buscar o Judiciário em defesa de seus direitos. Causas estruturais: a notória deficiência no numero de juízes no Brasil, em relação a sua população, aponta para a necessidade de dez vezes mais juízes para que o pais estivesse dentro da media dos países de primeiro mundo (ob.Cit.,p.22). Alem disso, a eliminação da idade mínima para recrutamento de magistrados possibilitou a nomeação de juízes de vinte e dois anos de idade, inexperiente, facilmente seduzível pela argumentação ágil, envolvente, laboriosa e algumas vezes falaciosa de advogados experientes (idem,p.23). Causas conjunturais: dizem respeito ao aumento da população, a necessidade que o Direito tem de acompanhar as fronteiras das modernas tecnologias e a feroz capacidade legislativa do Estado, criando leis e normas com força da lei com tal velocidade que se torna difícil, impossível quase, dirimir todos os conflitos decorrentes dessa fúria legiferante, mesmo um Judiciário bem equipado, atento e com número razoável de juízes. (idem,p.24). Causas orgânicas: referem-se ao processo praticado no Brasil e a necessidade urgente de sua revisão.

Algumas dessas deficiências listadas foram apanhadas pela doutrina especializada. A seguir, percorremos os principais pontos dessas analises.

A deficiência do ensino jurídico no Pais

A multiplicação de faculdades de Direito, muitas hoje se constituindo mais em empresas do que em instituições de ensino, e o mergulho abissal da qualidade do ensino jurídico, produziu toda uma geração de bacharéis despreparados para operar o Direito, o que se traduziu, no que toca a magistratura, em concursos públicos de ingresso na carreira, sendo encerrados e permanecendo vacantes mais da metade das vagas oferecidas. Para o Ministro Sidney Sanches, do Supremo Tribunal Federal, a ma qualidade do ensino jurídico no Pais e evidente (Direito e Justiça, Correio Brasiliense, 15.4.91,p.4). E interessante notar que uma das providencias adotada pela Câmara dos Deputados, ao votar a reforma do Judiciário, acata sugestão que vinha sendo feita desde o inicio da década, em relação as Escolas de Magistratura. O Ministro Sanches previa, a época, que essas escolas tendem a se transformar em centros destinados a despertar vocações e melhorar o nível dos candidatos e a facilitar o recrutamento dos juízes.

Cremos oportuna a reprodução, aqui, do que escrevemos em 29 de janeiro de 1982, enquanto presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e que pensamos guardar pertinência com esse aspecto da falência do Judiciário. Em expediente que então dirigimos ao Ministro da Educação e Cultura, General Rubem Ludwig, ponderamos que a OAB não recrutava pessoas a seus quadros, não selecionava advogados, e que a ligação a OAB resultava da condição de bacharel, tão somente, o que ocorria sob os protestos da Ordem. A defesa da classe dos advogados exigia dessa entidade o dever de observar,denunciar e influir no sentido de que o ensino do Direito corresponda a expectativa e interesse da classe e da sociedade brasileiras. Em documento dirigido ao X Encontro das Faculdades de Direito, realizado em agosto de 1981, a Ordem já pontificava que a boa ou má formação do bacharel, a conformidade ou desconformidade dos cursos com a realidade, sua adequação ou inadequação, atualidade ou defasagem, e, ainda, a saturação e o aviltamento do mercado de trabalho são assuntos de estrita competência da Ordem dos Advogados do Brasil (expediente citado, reproduzido na abertura da obra Os Grandes Processos do Júri, do Dr. Carlos de Araujo Lima, 6° edição, revista,vol. II, Lumen Juris, 1996, Rio de Janeiro, p.xix e seguintes). Nesse mesmo documento, colacionávamos que o numero impressionante de bacharéis expelidos semestralmente pelas fábricas de diplomas, e sua notória ma qualidade media de informação profissional levam ao público e a coletividade, a inicio, o medo de terem de se envolver com um advogado e, apos, a uma atitude de desprezo ou mesmo chacota.

A deficiência do sistema recursal brasileiro

Como referido acima,neste parecer,e uníssona a referencia a falência do modelo recursal brasileiro. Praticamente não se registra dissidência dessa posição entre os membros dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, em grande medida porque o contra-argumento é devastador.

A reforma do sistema recursal brasileiro e uma exigência e uma emergência, a ponto de os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça colocarem-na como condição para a superação da falência do Poder Judiciário, sem a qual a própria reforma do Poder terá esvaziada a sua utilidade.

Para a Juíza Federal Gisele Lemke, o sistema recursal e absurdo (Revista de Direito Processual Civil, n° 12, 1999, p.245), sugerindo a adoção de modelo semelhante ao trabalhista em que só é possível o recurso de apelação. O agravo poderia ser adotado, mas apenas na modalidade de agravo retido, exceto para os casos de perigo de lesão grave e de difícil reparação, requisito que seria apreciado como preliminar em qualquer julgamento de agravo de instrumento. Também, na extinção de processo sem julgamento do mérito, no 2° grau, não deveria ser anulada a sentença para reprodução de outra, e sim, o Tribunal reformá-la, julgamento do mérito imediatamente, desde que não houvesse necessidade de produção de novas provas.

Essa juíza ainda sugere que o recurso de apelação deva ser recebido apenas no efeito devolutivo, para não desvalorizar a decisão de primeiro grau, pelo menos quando em discussão matéria já decidida pelos Superiores, mesmo que sem efeito vinculante.

É verdade que essas inovações processuais deverão ser vinculadas por legislação infraconstitucional. Nessa linha, preocupa-nos especialmente a previsão do art. 47 da proposta de Emenda a constituição n° 29/2000, no que determina a instalação de comissão mista do Congresso Nacional para elaborar a legislação necessária a celeridade do Judiciário e a efetividade da prestação jurisdicional. A experiência histórica mostra que não e da índole do Congresso Nacional a produção da legislação tangido por prazos,mormente nesse caso, em que a alta complexidade técnica da matéria fará essa comissão concluir, fatalmente, pela necessidade de uma verdadeira lei processual, cuja qualidade vai exigir mais prazo do que o aberto pelo citado artigo.

Cremos firmemente na necessidade de serem inseridos, na PEC 29/2000, comandos objetivos acerca do que se elimina, do que se inova e do que se abriga em termos processuais, principalmente no que tange ao recurso extraordinário, ao recurso especial e ao recurso da revista, permitindo aos tribunais, mediatamente a publicação da Emenda em que se converta essa proposta, a aplicação, sob suas autoridades, de princípios processuais que vão iniciar o ataque imediato de uma das principais causas da letargia judicial, o irracional sistema de recursos.

A insuficiência numérica dos juízes

Enfrentando outro aspecto de ácidas criticas ao Judiciário, o Juiz Federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes aponta, como causas da morosidade da prestação jurisdicional, a insuficiência numérica de juízes, o crescimento do numero de demandas e a legislação ultrapassada ( Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, n° 4, 1996, p.117). No mesmo trabalho teórico, e também citada a insuficiência dos textos legislativos, o despreparo da magistratura, deficiência e mau usa dos meios materiais postos a disposição do Judiciário, e os privilégios e prerrogativas dados as entidades estatais.

No Brasil, a relação atual e de um juiz para cada 30.000 habitantes. Como comparação, na Alemanha, essa relação esta em um juiz para cada 3.863 habitantes. A proporção ideal,na visão da doutrina brasileira, não deveria ser maior do que um juiz para cada 10.000 habitantes. Alem disso,cerca de 30 % dos cargos de juiz não estão providos, e aproximadamente 26% das Varas Federais criadas recentemente estão vazias. Isso e especialmente grave quando se ouve do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira que não são raras as Varas onde tramitam mais de 10 mil processos por juiz (Introdução ao Estatuto da Magistratura e Reforma do Processo Civil, 1994).

Na Justiça Federal , entre 89 e 94, as varas federais receberam 2.843.007 processos, dos quais 1.735.431 foram julgados, permanecendo um milhão em tramitação. Cada magistrado do TRF da 5° Região recebeu para relatar, em media, em 1994, 3.930 processos.

Esses números, projetados para todo o Judiciário, ganham dimensões criticas: 4 milhões de processos por ano; no Supremo Tribunal Federal, 40.000 processos em 1997, quase 60.000 em 1999, e algo próximo de 70.000 em 2001 ; no Superior Tribunal de Justiça, 100.000 processos em 1997,128.000 em 1999,e algo em torno de 200.000 em 2001.

O detalhe inquietante sobre o movimento de processos no STF : entre outubro de 1988 e março de 1995, os acórdãos sobre as mesmas matérias representaram 68,32 % das decisões desse Tribunal (Ministro Carlos Velloso, em discurso na posse do Ministro Sepúlveda Pertence no cargo de Presidente do STF, Diário da Justiça, n° 105). Nesse universo, quase 90% dessas reapreciações são provocadas pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado de São Paulo.

A deficiência da produção Jurídico-Normativa

A deficiência dos textos legislativos e uma realidade cujo enfrentamento vai exigir profunda reflexão do parlamento nacional,com alterações ponderáveis no próprio processo legislativo, no sistema de decisão sobre o conteúdo na norma e nas diretrizes de sua inserção no direito nacional. Embora reconhecendo que este trabalho não propicia nem o momento adequado nem a justificativa para a abordagem do tema, cremos oportuno frisar que urge instituir-se um mecanismo de controle de qualidade da norma jurídica produzida no Legislativo Federal, de forma a impedir a inovação imperfeita, assistemática e casuística do direito brasileiro.

Para o Juiz Fernando da Costa Tourinho Neto, hoje Presidente do Tribunal Regional Federal da 1° Região, num diagnostico preliminar sobre a crise do Judiciário, a produção normativa e garantidamente uma das causas da ineficiência e emperramento do aparelho Judiciário.

“As causas são varias,a começar pelo atuar letárgico de certa parte dos juízes – parece ate doença. Existe o vírus da preguicite? A falta de juízes e também razão para a lentidão paquidérmica do Judiciário. A pletora de leis e outro fator: O Governo, perdido, a editar medidas provisórias cada vez mais. 0 Legislativo,a elaborar uma profusão de leis. Leis casuísticas,feitas ao capricho do momento. Leis sem sentido,confusas. Um emaranhado,um cipoal de leis mal preparadas, mal discutidas.” (Efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal: uma solução para 0 Judiciário,Revista de Informação Legislativa 128:186.)

O excesso de privilégios processuais dos entes públicos

Uma atenção maior e devida ao ultimo tópico apresentado pelo Juiz Aloísio Gonçalves de Castro Mendes, quanto as prerrogativas e privilégios das entidades estatais. Tanto os prazos especiais para contestar e para apelar quanto o reexame necessário se nos afiguram excessos processuais em beneficio de tais entes. A necessidade efetiva e a justificativa técnica desses benefícios de prazos em quádruplo e em dobro e do duplo grau obrigatório de jurisdição para as lides em que esteja sendo vencido o Poder Publico esta no ponto para ser repensado, justamente porque desapareceu o argumento fático que a sustentava, qual seja a deficiência estrutural da advocacia publica para fazer frente as demandas agitadas contra o Estado. Por entender completamente superadas as causas desse tratamento diferenciado, incluímos, dentre as sugestões de nosso parecer, duas medidas eliminatórias desses benefícios. O principio constitucional da igualdade formal, de raiz aristotélica, impõe que o tratamento desigual de desiguais pressupõe efetiva desigualdade.

O desaparecimento da alegada posição de inferioridade do poder publico em juízo impõe que se recupere a isonomia processual plena na relação processual entre particulares e pessoas jurídicas de direito publico interno.

Os abusos processuais da advocacia publica

Mas o Estado, o Poder Publico, concorre entusiasticamente para essa condição caótica. É irreparável a lição do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, segundo quem … a independência dos juízes e do Poder Judiciário, mais do que simples expressão de ordem técnica, representa um tema revestido de inegável densidade política. Isso significa que a Magistratura não pode anular-se como poder político e nem deixar-se subjugar pelos que pretendem impor-lhe a vinculo da dominação institucional, convertendo e degradando a Poder Judiciário a condição de instancia desqualificada, de submissão, reduzida, de maneira inaceitável, em seu indisponível grau de independência e liberdade. (Direito e Justiça, Correio Braziliense, 30.06.97, p.1). Mas também é fato que esse receio vem se realizando pela mão decidida da Advocacia Publica, principalmente a federal. A Advogada Carmen Lúcia Antunes Rocha proclama que é necessário dar um paradeiro as procrastinações do Poder Publico, useiro e vezeiro em postergar o cumprimento de decisões judiciais mediante o expediente, muitas vezes leviano, de interpor recursos que impeçam o seu transito em julgado. (Revista da OAB, n° 66, p. 34).

E na mesma linha o diagnostico do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para quem, contudo, a edição das sumulas administrativas vinculantes, como autorizada pela Lei Complementar n° 73/93, poderia contribuir em grande medida para dar um paradeiro a perniciosa e institucionalmente imoral ação do Poder Publico em juízo:

Devo observar, ainda, sem prejuízo da adoção de outras soluções processuais, que, se a causa real do congestionamento do aparelho judiciário reside – como efetivamente ocorre – na atuação processual compulsiva do Poder Publico, muitas vezes agindo como improbus litigator, opondo resistência estatal injustificada e arbitrária a pretensões legitimas deduzidas par cidadãos de boa-fé, cumpre aplicar as disposições da Lei Complementar n° 73/93, inteiramente aplicáveis a União Federal e as suas autarquias (inclusive ao INSS), responsáveis, em grande parte, pelo excesso de litigiosidade recursal, que, hoje, virtualmente inviabiliza a Supremo Tribunal Federal e a Superior Tribunal de Justiça. Ora, a aplicação desse instrumento legal certamente refletir-se-á, de maneira positiva, na solução dos problemas gerados pelo congestionamento do aparelho judiciário, pois, nas questões objeto da jurisprudência iterativa dos tribunais – uma vez editada a sumula administrativa vinculante – a União Federal e as suas autarquias não mais insistirão em teses jurídicas rejeitadas pelo STF ou pelo STJ, permitindo, desse modo, em matéria de caráter administrativo, tributário ou previdenciário, que pretensões legitimamente manifestadas pela parte privada sejam atendidas, desde logo, ate mesmo na própria instancia administrativa. (Conferencia de abertura do Fórum Nacional de Debates do Poder Judiciário, em junho de 1997 – grifamos).

É de se observar, apesar da autoridade incontestável do autor dessa tese, que a edição e adoção das sumulas administrativas vinculantes e situada sob a competência da Advocacia-Geral da União, e que é exatamente esse órgão, secundado pelas procuradorias das autarquias federais, que vem contribuindo decisivamente para o soterramento e inviabilização do funcionamento do Judiciário, expediente que tem produzido resultados notáveis no impedir que o brasileiro obtenha, no Judiciário, e contra o Poder Publico, uma resposta efetiva e demandas legítimas e legais. É de se perguntar sobre o interesse que teria a União, ao editar súmulas administrativas vinculantes da Advocacia-Geral da União, de abrir mão de tão eficiente expediente – a interposição incansável de recursos protelatórios para fugir as suas responsabilidades assentadas por decisões judiciais.

Essas manobras chicaneiras da advocacia pública nem sempre atravessam incólumes o animo dos julgadores:

” Processual. Agravo regimental. Decisão que nega seguimento a recurso especial contrário a jurisprudência do STJ. Litigante de má fé. INSS. Autarquia. Nega-se provimento a agravo regimental que pretende trazer a reexame acórdão cujo dispositivo coincide com a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça.

Se o dispositivo do acórdão recorrido coincide com a jurisprudência do STJ, e porque ele se afina com a lei federal. Recurso especial que o desafia é de manifesta improcedência (STJ, AGR 114.675-RS).

E, em outro acórdão: age como litigante de má-fé a parte que faz tábula rasa da jurisprudência do STJ, opondo recursos infundados, em matarias já superadas em incontáveis precedentes da Corte.

A Caixa Econômica Federal, entidade estatal, deveria prontamente acatar a jurisprudência do STJ.

O abuso do direito ao recurso, contribuindo para inviabilizar, pelo excesso de trabalho, o Superior Tribunal de Justiça, presta um desserviço ao ideal de justiça rápida e segura.

Condenação do litigante de má-fé a indenizar as partes contrarias. ” (STJ, AGA 132.761- grifamos).

Mas: a aplicação da pena de litigante de má-fé ao Poder Público não produz o efeito que a norma processual pretende alcançar, de vez que o ônus será suportado pelo próprio povo, e essa circunstancia não inibe o mau litigante. (TRF/4° Região, AG 430.015, de 22.03.94).

A Falência Judiciária

Não e necessária muita analise para perceber, nessa soma de fatores, o retrato acabado da falência do Judiciário. A eficiência desse Poder somente se realiza na prestação jurisdicional rápida e na execução imediata da decisão. A eficiência da decisão judicial está ligada ao prazo que demanda a resposta do Estado ao reclamo da sua intervenção.

Na lição do Juiz Sergio Fernando Moro, a função precípua do Judiciário é a de solucionar definitivamente os litígios que lhe cheguem, conforme estatuído na lição histórica do Juiz John Marshall (it is, emphatically, the province and duty of the judicial department, to say what the law is) (Revista da AJUFE, n° 59, outubro/dezembro de 1998, p.99). Se o Judiciário não realiza essa missão, perde a sua finalidade, a sua razão, a sua essência, a sua posição estatal.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto anota que parece, assim, a todos, igualmente óbvio; ao político, ao cientista e ao homem comum, principalmente a este, que o sistema judiciário brasileiro não proporciona essa tríplice e fundamental segurança. Ao contrário: é lento, caro e ineficiente. Envelheceu, tornou-se obsoleto e incapaz de responder aos indivíduos que em número crescente despertam para vida cívica. (O Poder Judiciário e seu papel na reforma do Estado. O controle jurisdicional dos atos administrativos é a sumula vinculante. Revista dos Tribunais, n° 27, abril-junho de 1999, p.30).

O Judiciário, por tudo isso, como desenhado e como operado hoje, está condenado.

A superação definitiva do modelo atual brasileiro é apontada objetivamente. Para o Ministro Sálvio de Figueiredo, do Superior Tribunal de Justiça, se a maquina e o modelo estão superados, não é ao julgador, em principio, que se haverá de imputar a responsabilidade (Direito e Justiça, Correio Braziliense, 9.2.98). Para o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal a Justiça Brasileira, em caricatura, e uma velha trôpega, cega e surda aos apelos da sociedade.” (Aula magna na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 06.02.98).