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A recuperação judicial como instrumento de equacionamento do passivo fiscal das empresas

23 de novembro de 2012

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O enfrentamento específico do manejo das pendências fiscais da sociedade em recuperação judicial tem se mostrado uma verdadeira tormenta para juízes, administradores judiciais e Ministério Público, mas, principalmente, um desafio aos empresários e advogados. Existe certamente um limbo de incerteza quanto à efetividade do processo de recuperação judicial ao deixar à margem, sem guarita prático-efetiva, as pendências tributárias do devedor, em franco contributivo para o engessamento da atividade empresária. O equacionamento do passivo financeiro para se mostrar eficaz – sob o ponto de vista econômico –, deve necessariamente contemplar as quase sempre pendentes, e comumente significativas, dívidas fiscais.

Nessa seara, noticiaram-se as alvissareiras, para o fomento do debate no meio jurídico, decisões do Juízo da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Estado de São Paulo, garantindo que sociedades em recuperação judicial participem de licitações públicas sem a necessidade de possuir Certidão Negativa de Débitos – CND, bem como que recebam dos entes públicos valores eventualmente devidos e ainda não repassados, em virtude da falta de sua apresentação.

Ao ponderar sobre o caso concreto, entendeu o magistrado paulista que a dispensa em questão estaria suprindo a lacuna legislativa, em relação à norma prevista na Legislação Falimentar sugestiva de que as Fazendas Públicas poderão deferir parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial, sem, contudo, instrumentalizar os meios adequados para sua efetiva adoção.

Sensível a essa lacuna legiferante sem, logicamente, se imiscuir na competência do Legislativo extrapolando sua seara jurisdicional, já víamos brotar uma flexibilização de entendimento no Judiciário que, ao analisar as especificidades do caso concreto, tendia a autorizar a inserção de sociedades em regime de recuperação judicial, em programas de parcelamento de débitos fiscais, mesmo estando estes encerrados ou tendo havido a exclusão da empresa por inadimplemento, garantindo, ainda, o prazo de até 180 meses igualmente como previsto no Refis Federal.

Em toada similar, também já se posicionou o STJ em julgado da lavra do Ministro Luiz Fux, autorizando empresa em situação falimentar a obter reinclusão em plano de parcelamento fiscal em atenção ao princípio da preservação da entidade empresarial, arrimando-se, ainda, por analogia, na dicção, também indicativa, do art. 155-A do CTN, §§ 3o e 4o, que preceitua que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial sendo que a sua inexistência importa na aplicação das leis gerais de parcelamento dos estados não podendo, neste caso, ser o seu prazo inferior ao concedido pela lei federal específica.

E mais. No Estado do Rio de Janeiro já se cultua, com certa segurança, o entendimento de que a apresentação de certidão negativa de débitos tributários não se mostra mais como condição sine que non para o deferimento da recuperação judicial da empresa, desde que a sociedade demonstre que esteja diligenciando os meios viáveis para obtenção de parcelamento junto às Fazendas, ou outras formas efetivas de equacionamento deste passivo.

Porém, agora se foi além. Já era hora da jurisprudência, sempre em constante mutação e aperfeiçoamento para adequação às realidades fáticas, enfrentar esta questão na esteira de que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O vanguardista entendimento paulista de dispensa da CND não está condicionado à obtenção cogente de parcelamento dos débitos fiscais e contrapõe-se ao que vinha sendo decidido pelos tribunais pátrios, no que tange ao tema. Tem-se ainda a ideia de aplicação da premissa legal de que o deferimento da recuperação judicial importa na obtenção do benefício de dispensa da apresentação de certidões negativas para o exercício da atividade empresária, excetuando-se, no entanto, a viabilização de contratações com o Poder Público e o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Não se deve olvidar, outrossim, de iniciativas do Poder Executivo que certamente possuem um desígnio benéfico, porém, na prática, vêm se mostrando inócuas sob o ponto de vista contributivo para solução das dívidas fiscais, como o Convênio no 59 do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz, que previu um acanhado prazo de parcelamento de 84 meses (vis à vis o parcelamento Federal em até 180 meses) para pagamento do ICMS.

Vê-se, também, no horizonte o Projeto de Lei do Senado no 245/2004, que propõe a alteração dos artigos 57 e 73 da Lei no 11.101/2005, autorizando empresas submetidas à recuperação judicial a parcelarem débitos tributários ou não tributários com a União, suas autarquias, suas fundações públicas ou com o FGTS – desde que não haja norma específica para seu parcelamento – em até 84 meses, com correção dos valores pela Taxa Selic acrescidos de 1% ao mês.

Na inexistência de lei específica dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios aplicar-se-ão, ao devedor em recuperação judicial, as leis gerais de parcelamento do respectivo ente da Federação, não podendo, nesse caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao estabelecido pelo Projeto de Lei do Senado.

Esta iniciativa legislativa faria com que as sociedades empresárias em recuperação judicial possam ter acesso a Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa – CPD-EN, o que certamente viabilizaria a sua participação em licitações públicas, bem como que recebam dos entes públicos valores eventualmente devidos e ainda não repassados, em virtude da falta de sua apresentação. Resta saber se as condições disponibilizadas se mostrarão salutares para o equacionamento do passivo fiscal das empresas e, assim, se suprirão as lacunas que vêm sendo preenchidas pelo Poder Judiciário.