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A mediação nos tribunais: As novas ferramentas de resolução de conflitos

1 de julho de 2015

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Cesar-Cury_Vagner-FerreiraOK_SiteIntrodução
A aprovação do Projeto de Lei da Mediação pelo Congresso Nacional1 marca o que pode ser o início de nova etapa nas relações sociais e no modo de resolução dos conflitos.

O novo diploma sobre Mediação2 vem integrar sequência legislativa recente, inaugurada com a sanção da Lei no 13.105/153 e a entrada em vigor da Lei da Arbitragem4, compondo o conjunto normativo que sistematiza as modalidades alternativas de solução de disputas.

Em verdade, os institutos em questão – Mediação e Arbitragem – são conhecidos e praticados desde a antiguidade, e sempre foram importantes instrumentos para a pacificação de litígios.

Breve histórico das ADR (Alternative Dispute Resolution)
Com forte assento histórico e cultural em nações orientais, que, por costume, adotam métodos não adversariais de resolução de disputas, em países como a China e o Japão existem as juntas de conciliação nos próprios tribunais, as quais solucionam substancial parcela dos litígios. Ao lado, câmaras setorizadas de mediação para disputas de consumo e de arbitragem para relações comerciais constituem outro importante fator do elevado índice de resolutividade das demandas nesses países.

Na Europa medieval, em que os mercadores transitavam entre os estados nacionais – em um autêntico mercado comum europeu – as disputas comerciais, ante a ausência de estruturas judiciárias convencionais, costumavam ser resolvidas pelos próprios pares, por meio da arbitragem, daí derivado o jus mercatorum conhecido dos ingleses da era moderna.

Mais recentemente, a Mediação e a Arbitragem vêm surgir no ocidente por meio de iniciativas privadas como aquelas que se verificaram nos Estado Unidos da América (EUA) na década de 1970, movimento conhecido como os “novos enfoques da solução de conflitos”, resultante do programa desenvolvido pela Fundação Ford em busca de soluções para conflitos a latere do sistema de justiça convencional.

A partir de então, com maior ou menor receptividade pela sociedade em geral e, particularmente, pelos operadores do direito, as ADRs mantiveram-se em ascensão, diversificando-se nos países em que são praticadas, em adequação às realidades e culturais regionais.

Assim é que, nos EUA, a modalidade de ADR para as disputas comerciais – presente em praticamente todos os estados, inclusive nos tribunais – é a arbitragem. Outras modalidades, como os métodos híbridos – como a med-arb –, a negociação direta, o rent-a-judge e o minitrial também são empregados com grande frequência, até em campos universitários, e usadas em extensa gama de controvérsias, como as relativas a locação, comercial, vizinhança e familiar. Segundo Johnson (1993 apud SHAILOR, 1999, p. 71), se no início da década de 1970 havia alguns poucos centros de mediação, agora há mais de 400. Cerca de 80% dos acordos obtidos sob o processo de mediação, nos Estados Unidos, são mantidos, em casos que se resolvem rapidamente. Na mediação familiar, dados indicam que dois terços dos Estados americanos, por lei, encaminham as partes para a mediação, e os acordos consensuais são duradouros em mais de 90% dos casos.

No Canadá, tem-se priorizado sessões de mediação preliminar à instrução processual, comumente adotadas em questões de direito de família, sem embargo do estabelecimento de medida punitiva em caso de negativa à mediação quando o resultado do processo for considerado igual ou inferior àquele cogitado durante a mediação.

Na Argentina, após período de experimentação de projeto-piloto, foi instituída pela Lei nº 24.573/1995 (Decretos nº 1.021/1995 e 477/1996, substituídos pelo Decreto nº 91/1998) a mediação prévia voluntária (privada) e obrigatória (pública, pré-processual) em todo juízo – exceto em questões penais, ações de separação e divórcio, nulidade de matrimônio, filiação, e pátrio poder.

A mediação encontra-se sedimentada e socialmente assimilada, na Argentina, há mais de dez anos, e representa modelo de implantação da mediação para o Brasil e demais países da América Latina.

A Mediação no Brasil
No Brasil, a previsão legal sobre ADR tem assento normativo desde a Constituição de 1824, que dispunha sobre os Juízes de Paz, com competência para resolver conflitos pelo consenso. A partir daí, disposições esparsas ou conjuntos normativos têm previsto mecanismos alternativos à resolução de conflitos. A Lei nº 7.244/1984, que instituiu o sistema dos Juizados de Pequenas Causas, dispunha sobre a conciliação em etapa do procedimento especial, instituto posteriormente revalidado pela Lei nº 9.099/1995, que ampliou as formas de resolução, incluindo as questões penais.

Nessa mesma época, com o advento da Constituição Federal (1988) e principalmente do Código de Defesa do Consumidor (1990), ampliou-se o espectro de direitos e de garantias ao cidadão, e, em especial, aos segmentos mais vulneráveis, como os consumidores considerados individualmente e em grupos difusos e homogêneos, consagrando-se o acesso ao judiciário como a principal conquista para garantia dos direitos individuais e coletivos.

No Brasil, o acesso ao judiciário é garantia pétrea constitucional5, e, ao contrário do que ocorre em outros países, não sofre condicionamentos, como a necessidade de esgotamento prévio de instância administrativa ou o uso de método autocompositivo. Rigorosamente todo e qualquer conflito pode ser apresentado diretamente ao judiciário, por mais singela a questão e ainda que sobre ela já exista provimento definitivo do mais elevado tribunal do País.

A Mediação e as Demandas de Massa
Essa sequência legislativa, que acompanha a evolução da sociedade, adentra período de intensificação do desenvolvimento econômico e social do país. Nesse período, que coincide com o início da abertura do Brasil ao mercado internacional, empresas se instalaram ou ampliaram, física ou virtualmente, suas ações com vistas ao atendimento de uma das maiores populações do planeta.

O quadro socioeconômico e político formado a partir de então acabou por contribuir para o surgimento do fenômeno da coletivização das relações. Antes limitadas aos interesses interindividuais, as relações econômicas e sociais alcançaram estágio caracterizador dos fenômenos de massa. No ambiente das relações de consumo coletividades inteiras são formadas em segmentação diversificada, em relação aos serviços e produtos correspondentes.

Nesse contexto, a conduta que representa lesão a direito não costuma se restringir à esfera de apenas um sujeito, alcançando, no mais das vezes, a toda uma coletividade de indivíduos cujos direitos são atingidos de modo idêntico ou semelhante pelo mesmo comportamento.

O crescimento vertiginoso das transações negociais e do correspondente número de reclamações resultou no aporte ao judiciário de volume de demandas proporcional aos conflitos, caracterizando-se o “excesso de judicialização”, o que por sua vez tem implicado a necessidade de nova organização jurídica com suficiência ao tratamento das questões decorrentes.6

Nesse sentido, se de um lado a ampliação do acesso à justiça, consequente a esse processo, é algo a se comemorar, como significativa do amadurecimento da democracia brasileira, de outro, fenômenos como o excesso e o desequilíbrio da judicialização passaram a provocar questionamentos em relação à validade da forma convencional de solução de conflitos, sobretudo os decorrentes das relações de massa.

Vladimir Passos Freitas pontua que “ninguém ignora que a explosão de processos pós-1988 não é administrada e decidida apenas pelos magistrados”.7 Por isso, tem-se repensado as rotinas reiteradamente aplicadas e buscado alternativas, como recursos modernos de estratégia e gestão, cada vez mais empregados, os quais não alcançam resultados satisfatórios quando o tema é o desequilíbrio (excesso) na judicialização.

ADR e Acesso à Justiça
É preciso que se compreenda que a garantia constitucional de atendimento a uma demanda de modo justo e efetivo em tempo razoável8 significa mais do que a possibilidade de acesso ao sistema público de justiça. Em verdade, sob o prisma constitucional, a prestação jurisdicional estatal constitui o modo standard de composição de litígios de forma adjudicada9, o que não exclui outros modelos de resolução de conflitos, inclusive no âmbito privado. Nesse sentido, a legislação recente incentiva a adoção de métodos extrajudiciais de resolução de conflitos.10

Correspondente ao que Garth e Cappelletti11 denominaram de “terceira onda do direito”, as formas alternativas para solução de disputas (ADR)12 surgem, nesse contexto, a partir da necessidade de se encontrar um método mais eficaz para resolução de conflitos interpessoais em tempo razoável, preferencialmente fora das estruturas judiciárias.

O Desequilíbrio no Acesso à Justiça
No Brasil, essa exigência é decorrente, mais do que da necessidade de pacificação das relações sociais, do excesso de ações judiciais – cerca de cem milhões, atualmente –, tornando imperioso a reversão, em larga medida, do fluxo de demandas de segmentos inteiros que hoje aportam nos tribunais para centros de resolução extrajudiciais.

Esse desequilíbrio no acesso à justiça brasileiro é provocado basicamente por dois segmentos – o próprio poder público, que responde a cerca de 55% dos processos, e as concessionárias de serviços públicos, que respondem por outros 35%, perfazendo, juntos, mais de 90% das demandas apresentadas.

Entre os últimos – demandas envolvendo concessionárias dos serviços públicos –, a maior parte dos cerca de 35 milhões de processos é de ações repetitivas, assim entendidas aquelas decorrentes de condutas que atingem de modo igual ou semelhante larga parcela de pessoas.

Nesse passo, a despeito dos inegáveis avanços que as ADRs por certo representam na forma de pacificação de conflitos, quando se trate de demandas seriadas, como as decorrentes das relações de consumo, os métodos de resolução convencionais, interpessoais e presenciais, não respondem às necessidades de flexibilidade, agilidade e resultados, exigidas pelas demandas da sociedade.

País de dimensões continentais, embora a concentração do comércio mais intenso nas principais capitais, os conflitos multitudinários, no Brasil, exigem soluções em escala e dinamismo compatíveis com a quantidade de litígios que assoberbam os tribunais.

ADR e os Sistemas On-Line de Resolução de Conflitos
Não é por outra razão que se rende elogios à previsão da mediação e resolução de conflitos13 por sistemas on-line (On-Line Dispute Resolution – ODR)14 na nova lei.

Com efeito, as plataformas on-line de resolução de conflitos consistem em sistemas operacionais desenvolvidos para permitir a interlocução de pessoas à distância, em negociação direta ou intermediada (conciliação) por um terceiro imparcial (mediador) que privilegie e favoreça a construção do acordo.

A ODR tem sido vista como a abordagem da ADR que se apoia nos meios tecnológicos para facilitar a resolução de conflitos, ou ainda, considerando a componente “on-line”, é vista como um ambiente virtual no qual as partes possam reuniram-se para resolver as suas diferenças. Porém, a ODR foi além de permitir o simples suporte aos processos da ADR. Não se restringiu ao suporte da arbitragem, negociação e mediação convencionais, mas também explorou processos além do alvo da ADR (nomeadamente, a negociação automatizada ou blind-bidding).

Além de permitir a interlocução à distância, as ODR – verdadeiras câmaras virtuais de resolução de conflitos – tem a virtude de permitir irrestrito número de inter-relações simultâneas (negociação direta, conciliação, mediação e med-arb) entre os interessados, além da formação de banco de dados a partir dos registros feitos pelos próprios usuários.

Esses registros, que compreendem os dados tanto das reclamações quanto das soluções alcançadas, podem validamente representar modelos ou parâmetros para tomadas de decisões para questões idênticas ou semelhantes por usuários seguintes.

Existem hoje diferentes tipos de sistemas de ODR. Estes podem ser classificados em duas categorias: primeira e segunda geração. A primeira geração é caracterizada por sistemas sem autonomia quanto à resolução dos processos. O homem continua a ter o papel principal neste género de sistema onde a tecnologia actua apenas como uma ferramenta de suporte à decisão, estabelecendo a comunicação entre as partes ou automatizando tarefas simples … de maneira rápida e confidencial. A segunda geração é a expectativa dos novos sistemas ODR que terão como meta a resolução de conflitos de forma autónoma. Estes sistemas deixam de ser meras ferramentas e passam fazer análise de casos e definição de estratégias e soluções. O objectivo é o de reduzir a intervenção humana na resolução de conflitos. Brevemente estes sistemas poderão actuar como agentes autónomos. Claramente este género de sistema necessita de uma componente inteligente e conhecedora das áreas de conflitos para atingir este requisito. Assim, a AI é uma das áreas de conhecimento que tem sido explorada e já são visíveis resultados neste sentido.16

Com essa arquitetura, as ODR são preferencialmente vocacionadas às disputas decorrentes das relações de consumo, notadamente aquelas envolvendo concessionárias do serviço público e empresas do sistema financeiro, como os bancos, segmentos com larga base de clientes e que se encontram dentre os mais demandados na justiça convencional.

A prevalecer, na sanção presidencial, o dispositivo do artigo 46 do Substitutivo nº 9 da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 7.169-B, de 2014, do Senado Federal (PLS nº 517/2011), a sociedade brasileira passará a contar não apenas com diversificados métodos mais adequados à resolução de conflitos individuais e multitudinários, mas com ferramentas mais ágeis, que permitem atuação capilarizada e tratamento simultâneo a elevado número de pessoas, inclusive para temas idênticos ou semelhantes, em ambiente seguro e desburocratizado, sob regras bem definidas na nova legislação17 e a fiscalização do Judiciário.

Essas alternativas à forma standard de prestação jurisdicional deverão desobstruir, progressivamente, os escaninhos dos juízos, em nova onda que começa a reverter o fluxo de demandas antes endereçadas aos tribunais para instituições e organismos privados agora corresponsáveis pela resolução de conflitos.

Nesse viés, esse estímulo a que empresas privadas18 e entes públicos19 adotem mecanismos de resolução consensual de litígios contribuirá para a reassunção, pelos próprios envolvidos, da responsabilidade pela solução das controvérsias resultantes de suas relações, privilegiando as formas de entendimento particular, diretamente20 ou com o auxílio de terceiro imparcial e desinteressado.21 A cultura que se forma traduz-se no emulador de iniciativas para que outros segmentos sociais,22 como escolas, universidades, associações e coletividades em geral adotem métodos consensuais de resolução de disputas internas.

Essas medidas representam avanço, conquista democrática, demarcando o início de nova etapa de convívio interpessoal, cabendo à sociedade e aos operadores do direito conscientizarem-se de que a mediação e os demais métodos de solução de litígios constituem importante alternativa à justiça convencional, além de indispensável instrumento para a pacificação social.

 

Notas_____________________________________

1 Projeto nº 7169/2014, da Câmara dos Deputados, Substitutivo nº 9 ao Projeto de Lei nº 517/2011, do Senado Federal.
2 “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. – Artigo 1º, parágrafo 1º, do Substitutivo 9 ao Projeto de Lei nº 7.169/2014.
3 Novo Código de Processo Civil.
4 Lei nº 13.129/2005, que altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
5 A garantia traduzida no artigo 5º, XXXV, da CR/1988, evidencia a gênese do novo CPC, que em vários de seus dispositivos repete o texto constitucional, como em seu art. 3º: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
6
7 FREITAS, Vladimir Passos. A eficiência na administração da justiça. Disponível em: <http://www.ibrajus.org.br>. Acesso em: 23 jun. 2008.
8 NCPC: “Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
9 De acordo com Cappelletti e Barth, “A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que, primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. In: Acesso à Justiça, Cappelletti e Garth, Sergio Fabris, 2002.
10 NCPC Art. 3º: § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
11 RePro 74/82, São Paulo: RT, abr. 1994.
12 Alternative Dispute Resolution.
13 Negociação ou Conciliação.
14 On-Line Dispute Resolution.
15 Ana Café, Davi de Carneiro, Paulo Novais e Francisco Andrade, in TIARAC – Telematics and Artificial Intelligence in Alternative Conict Resolution Project (PTDC/JUR/71354/2006)
16 Ana Café et alli, idem.
17 Especialmente os artigos 2º, 3º, 5º à 7º, 14 e seguintes e 30.
18 Artigo 42 do Projeto de Lei nº 7.169/2014.
19 Artigos 32, 35 e 37 do Projeto de Lei 7.169/2014.
20 Negociação.
21 Conciliação, Mediação e Arbitragem, dentre outros métodos.
22 Artigo 42 do Projeto de Lei nº 7.169/2014.