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A GLOBALIZACÃO DA PAZ SOLIDÁRIA

5 de junho de 2002

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Nesta virada do Século, os programas de “estabilização econômica” e de “ajuste estrutural” impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento, como condição para a renegociação da dívida externa, tem levado milhões de pessoas ao empobrecimento e a extrema miséria, a exemplo do quadro falimentar de nossos irmãos argentinos, postos a receber em doses letais a extrema-unção diabólica do Fundo Monetário Internacional, qual “genocídio econômico” levado a cabo pela deliberada manipulação das for­ças de mercado.

O Brasil está mergulhado, infelizmente, nesse contexto histórico, tragicamente comandado pelo capitalismo colonialista, aético e global, sem adversário estratégico, totalmente in­diferente aos valores humanos e sociais.

É lamentável ver-se um país como este, de dimensão continental, com imensas riquezas e belezas naturais, inteiramente exposto a cupidez alienígena e poluído de milhões de miseráveis de todas as idades, sem saúde, sem teto, sem terra, sem pão e edu­cação e sem nada, com índices alarmantes e sempre mais crescentes de violências e criminalidades, ante a postura discurseira e omissiva de nossos governantes, sem pronta solução.

Ora, o Brasil não é “isso”, como já dizia o grande Rui, no início do século passado. “O Brasil, senhores, sois Vós. O Brasil é esta assembléia. O Brasil é este comércio imenso de almas livres. Não são os comensais do erá­rio. Não são as ratazanas do Tesouro. Não são os mercadores do parlamento. Não são as sanguessugas da riqueza publica. Não são os falsificadores de eleições. Não são os compradores de jornais. Não são os corruptores do sistema republicano. Não são os oligarcas estaduais. Não são os ministros da tarraxa. Não são os presidentes de palha. Não são os publicistas de aluguel. Não são os estadistas de impostura. Não são os diplomatas de marca estrangeira. São as células ativas da vida nacional. É a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é a massa inconsciente, que oscila da servidão a desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providencia acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade”1.

Ante a experiência agressiva e fracassada da globalização econômica, no processo histórico em que vivemos ou tentamos sobreviver, frente as manifestações terroristas de esquerda e de direita, fundamentalistas ou não, em todo o planeta, nunca será demais relembrar o patriotismo tão necessário aos dias de hoje, e, ainda, tão bem definido pela cultura universal do jurista baiano, nestas letras:

“Não vos iludais com essas falsificações abominandas. O sentimento que divide, inimiza, retalia, destrói, amaldiçoa, persegue, não será jamais o da pátria. A pátria é a família amplificada. E a família, dividamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo. Multiplicai a família, e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sanguínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade, de que Cristo lhes dera a formula sublime, ensinando-os a se amarem uns aos outros: Diliges proximum tuum sicut te ipsum.

Dilatai a fraternidade cristã, e chegareis das afeições individuais as solidariedades coletivas, da família a nação, da nação a humanidade. Objetar-me-eis com a guerra? Eu vos respondo com o arbitramento. O porvir é assaz vasto, para comportar essa grande esperança. Ainda entre as nações, independentes, soberanas, o dever dos deveres esta em respeitar nas outras os direitos da nossa. Aplicai-o agora dentro nas raias desta: é o mesmo resultado: benqueiramo-nos uns aos outros, como nos queremos a nos mesmos”2.

Como se vê, o sentimento patriótico não e incompatível com o fenômeno da globalização solidaria, a única capaz de salvar a humanidade da tragédia apocalíptica, a que nos leva o egoísmo dos mercados financeiros internacionais, como, assim, já o reconhece Klaus Schwab, Presidente do Fórum Econômico Mundial, que se realizara, numa quinta-feira histórica, em Nova York, onde os 1o6 países participantes estão a discutir, com a presença ativa de organizações Não-­Governamentais de todo o mundo, sob o tema “Liderança em Tempos Frágeis – Uma Visão para o Futuro Comum”, questões relevantes a construção da paz mundial, tais como, a restauração do crescimento sustentado, segurança e vulnerabilidade, redefinição dos desafios empresariais, redução da pobreza e a busca da igualdade, compartilhando valores e respeitando as diferenças e, ainda, a reavaliação da liderança e o conceito de governança, pois, na acertada ob­servação de Mauro Santayana, “ao se tornar virtual mente global, o mundo começou a tornar-se realmente global: se a riqueza não foi distribuída aos pobres, a violência e a angustia provocada pelo medo começaram a ser distribuídas aos ricos”3.

Em outro extrema continental, realizou-se, também, em Porto Alegre (RS), o III Fórum Social Mundial, em que se busca “um outro mundo possível”, com a participação de, aproximadamente, 5o (cinqüenta) mil pessoas e o apoio da Organização das nações Unidas (ONU), visando discutir temas fundamentais, como o desenvolvimento sustentável ­alternativas para conciliar o crescimento econômico e o respeito ao meio ambiente; a participação popular – experiências como o orçamento participativo que aumentou o poder da comunidade de participar ativamente das decisões dos governos municipais, estaduais e nacionais; a economia solidaria – novas formas de distribuir renda e gerar emprego; direitos das minorias ­como assegurar a mulheres, negros, homossexuais, povos indígenas e a outras minorias direitos plenos; acesso a terra – como avançar a reforma agrária e garantir a sobrevivência econômica dos pequenos agricultores, incluindo-se o combate aos alimentos transgênicos (geneticamente modificados); a taxa Tobin – a aplicação de uma espécie de CPMF (o popularmente conhecido imposto do cheque) sobre toda a movimentação financeira internacional, cuja receita arrecadada seria destinada ao combate a pobreza universal; o perdão da dívida – os países mais pobres, especial mente da África e da America Latina, teriam suas dívidas externas perdoadas em troca de investimentos maciços na e1iminação da miséria planetária; o protocolo de Kyoto – a assinatura imediata do acordo que prevê a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, posto que os Estados Unidos, maiores poluidores da atmosfera, recusaram-se a ratificar esse protocolo; e o fim dos paraísos fiscais, com vistas a diminuir o sigilo bancário, em países considerados paraísos fiscais, para facilitar as investigações de crimes de corrupção e formação de quadrilhas nacionais e internacionais.

A discussão  desses   temas importantes, em Fóruns mundiais, visa a construção da Paz Universal, pois todos os seres vivos precisamos de Paz. E a Paz, como adverte a encíclica papal Gaudium et Spes, “não é a mera ausência de guerra, nem se reduz ao simples equilíbrio de forças entre os adversários, nem e o resultado de opressão violenta: antes e, adequada e propriamente, definida “obra da justiça” (Is 32, 7). E fruto da ordem que o seu Fundador divino inseriu na sociedade humana. Deve ser realizada, em perfeição progressiva, pelos homens que tem sede de justiça. Pois, embora o bem comum do gênero humano seja moderado em seus princípios fundamentais pela lei eterna, em suas exigências concretas, fica sujeito a contínuas mudanças, no decorrer dos tempos: a paz nunca e conquistada de uma vez para sempre; deve ser continuamente construída”4.

De ver-se, pois, que, somente a instalação de lima ordem jurídica justa poderá conduzir o ser humano a cumprir sua vocação natural de construtor da vida, no processo de globalização da Paz.

Nesse contexto, o Juiz do Terceiro Milênio tem papel relevante na edificação da paz, no meio social, e, por isso está autorizado pela consciência da cidadania plena e pela ordem jurídica justa a decidir, com total independência, em juízo sumario, com base na verossimilhança das alegações e probabilidades da vontade da lei, já não mais aceitando a condição passiva de locutor impotente e amordaçado pela norma legal, como assim o quis Montesquieu, no passado, e assim o quer, no presente, os condutores da globalização econômica e do capitalismo financeiro, no mercado internacional.

Estamos vivendo, hoje, assim, na plenitude do poder geral de cautela do juiz, que de ha muito rompera as mordaças da doutrina liberal, para garantir o retorno do cidadão, neste novo século, capaz de reedificar o mundo pela consciência dos homens, no exercício da comunhão de sentimentos e da solidariedade, que se ilumina na inteligência criativa e serviente a aventura da vida, no processo de construção de uma democracia plenamente participativa.

Ainda nesse ultimo Encontro Mundial Ecumênico de oração pela paz, realizado em Assis (Itália), no dia 24 de janeiro passado, o Papa João Paulo II conclama os Jovens do Terceiro Milênio a serem sentinelas da Paz, rumo ao futuro que amanhece, animados pelo espírito de Francisco de Assis, que e o Espírito Santo, garantidor da paz duradoura e universal, pois, na visão ecumênica do Sumo Pontífice, a oração pela paz não se traduz num ato de isolamento histórico entre os homens, mas no enfrentamento contínuo dos problemas, com a ajuda permanente das forças do Alto, das forças do Bem, que nos revelam a presença constante de Deus entre nós .

Bibliografia _________________________________________________________________

1 OLIVEIRA, Rui Caetano Barbosa de Rui Barbosa) o “Campanhas Presidenciais” – Vol. IV ­Editora Iracema Ltda – SP – p. 222.

2 OLIVEIRA, Rui Caetano Barbosa de Rui Barbosa) O “Textos Escolhidos” Editora AGIR – Rio de Janeiro – 1902, p. 48.

3 SANTAYANA, Mauro – O”Dois Mundos” Caderno Opinião Correio Braziliense – Edição de 30 de janeiro de 2002, p . 5 – Brasília – OF.

4 KLOPPENBURG,   Frei Boa Ventura – O. F. M . O “Compendio do Vaticano II ­constituições, decretos e declarações”, 3a Ed. Vozes, RJ ­1908, p. 158.