Edição 271
A cooperação judiciária nacional instituída pelo CPC/2015
22 de março de 2023
Maria Gabriela Campos Advogada / Doutoranda e Mestre em Direito Processual Civil (UFPE)

Assim que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 entrou em vigor, a comunidade acadêmica pouco se interessou em investigar o tema da cooperação judiciária nacional, preferindo avançar em estudos sobre temas “da moda”, como os negócios jurídicos processuais e os precedentes judiciais obrigatório, por exemplo.
Despercebido aos olhos dos processualistas, estava o Capítulo II, do novo CPC, disciplinando a cooperação judiciária nacional, que – poucos anos mais tarde – revelaria seu potencial como mecanismo de promoção da eficiência no processo.
De fato, o art. 67 do CPC enuncia um dever de recíproca cooperação aos órgãos judiciários. E, para consecução desse dever, é que o CPC prevê um conjunto de atos e de instrumentos jurídicos, que compõem a “cooperação judiciária nacional”, dentre os quais estão o auxílio direto e os atos concertados (CPC, art. 68).
O dever de recíproca cooperação encartado no art. 67 do CPC decorre do princípio da unidade da jurisdição e funciona como estímulo para que os órgãos judiciários cooperem entre si na condução do processo.
Especificamente no que diz respeito aos órgãos jurisdicionais há um esforço para que juízes de quaisquer instâncias e ramos da Justiça atuem conjuntamente na condução de litígios que surjam a partir de um mesmo conjunto de fatos ou que envolvam idêntica questão de direito.
A ideia fundamental é que os diferentes órgãos jurisdicionais brasileiros devem cooperar entre si para a prestação de uma tutela jurisdicional mais célere e efetiva, viabilizando a obtenção de resultados máximos, com menor dispêndio de tempo e custos. Reforça-se, portanto, a noção de gerenciamento processual (case management), que prevê a aplicação racional das regras e técnicas processuais no exercício da jurisdição.
Dessas trocas e interações recíprocas entre os órgãos jurisdicionais é possível extrair, ao menos, três características. A primeira e principal característica diz respeito à eficiência, que atua como baliza nas interações judiciárias. Como se viu, o art. 67 do CPC estabelece que aos órgãos do Poder Judiciário, em todas as instâncias e graus de jurisdição, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores.
Do próprio texto normativo extrai-se que o foco está na eficiência do procedimento particularmente considerado – em cada uma de suas etapas – bem como na gestão do acervo processual por todos os servidores do Judiciário, a quem, em última análise, também incumbe a prestação da justiça.
Os instrumentos de cooperação judiciária são canais de comunicação entre os diversos órgãos jurisdicionais, que podem funcionar como verdadeiros processos de gestão e de julgamento de processos. A intensificação dessas interações confere eficiência ao processo. Por razões de eficiência, mais de um órgão jurisdicional pode – em ato de cooperação – convencionar a produção de prova única a ser aproveitada em mais de um processo. Por ato de cooperação, é também possível definir um juízo para a penhora, avaliação ou expropriação de bens de um mesmo devedor que figure como executado em diversos processos, inclusive que tramitem em juízos de competências distintas. Ainda por ato de cooperação, é possível centralizar processos repetitivos para coordenar a liquidação do patrimônio de um devedor único em que não há juízo universal para o concurso de credores. A eficiência, portanto, fundamenta a cooperação, servindo também de baliza para o incremento de atitudes colaborativas entre juízos cooperantes.
O foco na consensualidade é a segunda característica da cooperação judiciária nacional. Num ambiente de cooperação judiciária, as interações são dinâmicas, podendo caracterizar um verdadeiro diálogo judicial, em que os participantes adquirem postura proativa, seja para solicitar informações a outro órgão cooperante, seja para solicitar a cooperação para a prática de algum ato processual, ou simplesmente, para compartilhar algumas boas práticas, contribuindo para a participação dos demais órgãos na gestão judiciária.
A cooperação judiciária nacional enuncia um compromisso de solidariedade e corresponsabilidade dos órgãos judiciários no exercício de suas funções (sejam elas de natureza jurisdicional ou administrativa). O destaque está no estímulo à consolidação de uma rede judiciária de cooperação, em que todos os órgãos cooperem entre si.
Por fim, a terceira característica digna de nota é a atipicidade da cooperação judiciária nacional. O art. 69 do CPC/2015 prevê que os pedidos de cooperação prescindem de forma específica, elencando, em seguida, um rol exemplificativo de instrumentos e atos de cooperação entre juízos. Há um claro privilégio por mecanismos mais fluidos, ágeis e atípicos de cooperação, em detrimento dos instrumentos mais formais e solenes.
O CPC/1973 já previa, em seus artigos 200 a 212, que as formas de comunicação entre os juízos seriam efetivadas por meio do sistema de cartas (rogatória, precatória e de ordem). Atualmente, o CPC-2015 mantém a disciplina das cartas em seus artigos 236, §§ 1º e 2º, 237 e 260 a 268, regulando detalhada e minunciosamente esses meios de comunicação, ainda marcados pela proeminência da forma, pela hierarquia e pela territorialidade, considerando que não houve alteração substancial nesse particular. A diferença é que o atual Código prevê novos instrumentos de cooperação entre juízos, a exemplo do auxílio direto e dos atos concertados, que são caracterizados pela informalidade, flexibilidade e, sobretudo, pela agilidade.
Se fosse preciso resumir tudo o que foi aqui escrito numa única frase, diria que “a cooperação judiciária nacional promove a eficiência no processo”. À comunidade jurídica fica o convite para investigar, aplicar e desbravar esse ainda novo desconhecido.
Notas____________________
1 Eis o conceito apresentado por Fredie Didier Jr.: “A cooperação judiciária nacional é o complexo de instrumentos e atos jurídicos pelos quais os órgãos judiciários brasileiros podem interagir entre si, com tribunais arbitrais ou órgãos administrativos, com o propósito de colaboração para o processamento e/ou julgamento de casos e, de modo mais genérico, para a própria administração da Justiça, por meio de compartilhamento ou delegação de competências, prática de atos processuais, centralização de processos, produção de prova comum, gestão de processos e de outras técnicas destinadas ao aprimoramento da prestação jurisdicional no Brasil.” (DIDIER JR., Fredie. “Cooperação judiciária nacional – Esboço de uma teoria para o Direito brasileiro”. Salvador: JusPodivm, 2020, pp. 61-62).
2 Entendendo que o dever de recíproca cooperação decorre do princípio da unidade da jurisdição: SCHENK, Leonardo Faria. Comentários aos artigos 64-69 do CPC. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo.; e DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 270. CABRAL, Antonio do Passo. “Juiz natural e eficiência processual: Flexibilização, delegação e coordenação de competências no processo civil”. Tese apresentada no concurso de provas e títulos para o provimento do cargo de Professor Titular na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: edição do autor, 2017, p. 536.
3 Aqui, a eficiência ganha maior relevo, na medida em que se relaciona com “o alcance de finalidades pré-estabelecidas, dizendo respeito aos meios empregados para tanto. Haverá eficiência se os meios adotados forem ótimos, gerando pouco esforço ou dispêndio, com o melhor resultado possível”. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. “A previsão do princípio da eficiência no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro”. Revista de Processo. v. 233, jul./2014. p. 67).
4 Segundo Paulo Eduardo Alves da Silva, o gerenciamento processual “pode ser compreendido como o planejamento da condução de demandas judiciais em direção à resolução mais adequada do conflito, com o menor dispêndio de tempo e custos” (ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo. “Gerenciamento de processos judiciais”. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 35).
5 Enunciado nº 671 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC). (art. 69, §2º, II) O inciso II do §2º do art. 69 autoriza a produção única de prova comum a diversos processos, assegurada a participação dos interessados. (Grupo: Competência e Cooperação Judiciária nacional)
6 Enunciado n.º 688 do FPPC. (art. 69) Por ato de cooperação judiciária, admite-se a definição de um juízo para a penhora, avaliação ou expropriação de bens de um mesmo devedor que figure como executado em diversos processos, inclusive que tramitem em juízos de competências distintas. (Grupo: Cooperação Judiciária nacional; redação revista no XI FPPC-Brasília)