Sandbox regulatório no Brasil

4 de janeiro de 2021

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O ritmo acelerado das transformações tecnológicas e o encurtamento dos ciclos de inovação deram origem a novos desafios regulatórios em todos os setores econômicos e no mercado financeiro, bancário, de pagamentos, securitário e de capitais não foi diferente.

Para enfrentar tais desafios de forma satisfatória, tornou-se necessário se socorrer a novas ferramentas, visto que o arsenal regulatório até então existente se mostrou obsoleto.

Por conta disso, surgem novas abordagens regulatórias, tidas como mais dinâmicas, as quais, somadas ao arsenal de ferramentas regulatórias já existente, melhor auxiliariam no processo de escolhas regulatórias. Tais propostas são consideradas mais adequadas para lidar com o novo cenário de constantes inovações tecnológicas.

Dentre tais propostas, os sandboxes regulatórios se popularizaram, tendo sido adotados em diversas jurisdições. Seu objetivo é aprimorar o processo de escolhas regulatórias dentro de um contexto de grande e rápida transformação.

O sandbox regulatório pode ser conceituado como um instrumento regulatório de fomento baseado em incentivo regulatório por meio de experimentalismo estruturado, tendo como pilar indutivo a isenção normativo-regulatória temporária.

Ele se dá através da instituição de programas que objetivam disponibilizar às empresas um espaço propício ao teste e à experimentação de inovações em condições reais, por meio da implementação de um ambiente regulatório mais flexível e menos restritivo, sob a contrapartida de obediência a parâmetros de supervisão do regulador e constante monitoramento e fiscalização. A ideia principal é permitir o teste de projetos inovadores em um ambiente regulatório mais simples e interativo, com constante diálogo com o regulador.

Suas características principais são: caráter temporário, isenção normativo-regulatória (flexibilidade regulatória), monitoramento e avaliação constante pelo regulador, escopo limitado e salvaguardas, critérios de ingresso e seleção de participantes.

A temporariedade se refere ao limite de tempo concedido às empresas para testarem seus processos inovadores durante o período experimental. A derrogação temporária de normas regulatórias, por sua vez, decorre da própria natureza do instituto, como um instrumento de fomento, de forma a permitir a entrada de novos participantes no mercado, visando alcançar maior competitividade, concorrência e inovação no setor.

Entretanto, é preciso ressaltar que o sandbox não significa uma carta branca aos seus participantes. Aos ingressantes, impõem-se as regras do próprio programa (ainda que menos rigorosas do que o arcabouço normativo aplicável aos demais participantes do mercado) e as salvaguardas definidas pelo regulador à luz das características de cada caso individualmente considerado, a depender dos riscos que a inovação a ser testada apresentem.

O sandbox pressupõe, também, o estabelecimento de limitações de escopo. É da natureza de um teste que ele sofra limitação em relação ao seu campo de aplicação. No sandbox, a limitação se dá através da imposição de quantitativo máximo de pessoas, perfil dos usuários, valor das transações e espaço territorial, entre outros.

No que tange aos critérios de ingresso, há uma série de requisitos que os participantes precisam demonstrar. O principal se refere à demonstração de um projeto inovador que justifique sua exploração inicial em ambiente controlado e que acarrete macrobenefícios ao setor como um todo.

Outro ponto importante é a elaboração de plano de negócios estruturado de maneira que fique comprovado ser possível iniciar as atividades prontamente, bem como a existência de um plano de encerramento das atividades quando do fim do ciclo experimental.

Ao final, o objetivo maior é o de promover inovação ao mesmo tempo em que se garante estabilidade e segurança setorial.

A implementação do sandbox no Brasil pautou-se em programas bem-sucedidos no exterior, como o caso pioneiro do Reino Unido que, em 2015, lançou o Project Innovate, primeiro sandbox para Fintechs, bem como o caso de Singapura, que criou o Grupo de Inovação em Tecnologias Financeiras flexibilizando, durante o sandbox, alguns requisitos legais referentes à custódia de ativos, à composição do órgão da administração, aos fundos de liquidez e à exigência de capital.

Já no Brasil, o pontapé inicial do sandbox foi dado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) em 2019, quando deu início a processo de consulta pública, tendo, posteriormente, aprovado a Resolução CNSP nº 381/2020 e a Circular Susep nº 598/2020, dispondo sobre a criação do sandbox regulatório, estabelecendo as condições necessárias para autorização e funcionamento, por tempo determinado, de sociedades seguradoras participantes do Projeto de Inovação/Susep.

O primeiro edital de seleção (Edital Eletrônico no 02/2020), divulgado em junho deste ano, terminou com onze projetos selecionados para participar do sandbox securitário.

No âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), após a conclusão da Audiência Pública SDM nº 05/2019, houve a edição da Instrução Normativa nº 626/2020, dispondo sobre regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental. A partir de comunicado ao mercado publicado em 03/11/2020, foi divulgado o cronograma do primeiro processo seletivo.

Uma previsão interessante constante das normas do Sandbox da CVM, em comparação aos demais modelos brasileiros, é a possibilidade de serem recebidas propostas que sejam provenientes de processos de admissão de outros órgãos reguladores, ainda que o prazo definido pela CVM tenha se encerrado. Assim, as empresas que vislumbrarem soluções para o mercado de valores mobiliários brasileiro no bojo de outros projetos poderão se valer dos mesmos para apresentá-los à CVM.

O Banco Central, por sua vez, também após processo de consulta pública, lançou o seu Sandbox, em 26/10/2020, com a aprovação das Resoluções CMN no 4.865 e 4.866 e a Resolução BCB 29/2020, estabelecendo o Ambiente Controlado para Testes de Inovações Financeiras e de Pagamento (sandbox regulatório) e sobre as condições para o fornecimento de produtos e serviços no contexto desse ambiente no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos brasileiro.

Por fim, o Governo Federal recentemente encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 249/2020 que visa instituir o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, prevendo, em seu art. 9º, os Programas de Ambiente Regulatório Experimental. Nota-se, portanto, que o instituto do sandbox regulatório ganha força no ordenamento jurídico brasileiro.

Isso se dá porque tal instrumento procura resolver um duplo desafio regulatório historicamente antagônico: promover inovação e garantir segurança e estabilidade. Costumeiramente, quando o pêndulo se move para um lado, o outro sofre restrições. Com o sandbox, é possível promover inovação sem descuidar dos riscos inerentes aos respectivos setores, garantindo sua estabilidade e sustentabilidade, fruto da estrutura de monitoramento e supervisão inerente ao período de experimentação.

Desse modo, garante-se às empresas inovadoras o teste de novos produtos e serviços de forma mais acessível e, por outro lado, permite-se ao regulador acompanhar as principais tendências inovadoras, atualizar o seu arcabouço normativo, evitando a desconexão regulatória entre as normas e a dinâmica do mercado.

É possível afirmar, portanto, que o sandbox é o futuro da regulação, de forma a possibilitar a regulação do futuro!